Jesuítas, de Castro Alves

No poema “Jesuítas”, de Castro Alves, o eu-lírico fala sobre a chegada e a expansão dos Jesuítas nas Américas. Os “Jesuítas” eram padres católicos que faziam parte da “Companhia de Jesus” e tinham por missão espalhar o Evangelho pelo mundo.

A percepção dos jesuítas pelo eu-lírico é bastante enviesada pela época em que foi escrito, destacando a fé inabalável, a coragem e a determinação, arriscando a própria vida por suas crenças, como mártires. Hoje em dia, há toda uma percepção de que os jesuítas impuseram a cultura europeia e a fé cristã aos indígenas, que já tinham suas próprias crenças e manifestações culturais, muitas vezes até mesmo através da força.

Independente da interpretação, o poema é muito bonito e consegue passar muito bem o sentimento de fé dos jesuítas, com os padres cruzando os oceanos carregando não, ouro como tantas e tantas embarcações, mas tão somente a palavra de Jesus.

Jesuítas, de Castro Alves

(século XIII)

Ó mês frères, je viens vous apporter mon Dieu,
Je viens vous apporter ma tête!
V. Hugo
(Châtiments)

Quando o vento da Fé soprava Europa,
Como o tufão, que impele ao ar a tropa
Das águias, que pousavam no alcantil;
Do zimbório de Roma — a ventania
O bando dos Apost’los sacudia
Aos cerros do Brasil.

Tempos idos! Extintos luzimentos!
O pó da catequese aos quatro ventos
Revoava nos céus…
Floria após na India, ou na Tartária,
No Mississipi, no Peru, na Arábia
Uma palmeira — Deus! —

O navio maltês, do Lácio a vela,
A lusa nau, as quinas de Castela,
Do Holandês a galé
Levava sem saber ao mundo inteiro
Os vândalos sublimes do cordeiro,
Os átilas da fé.

Onde ia aquela nau? — Ao Oriente.
A outra? — Ao pólo. A outra? — Ao ocidente.
Outra? — Ao norte. Outra? — Ao sul.
E o que buscava? A foca além no pólo;
O âmbar, o cravo no indiano solo,
Mulheres em ‘Stambul.

Ouro — na Austrália; pedras — em Misora!. .
“Mentira!” respondia em voz canora
O filho de Jesus…
“Pescadores!… nós vamos no mar fundo
“Pescar almas pra o Cristo em todo mundo,
“Com um anzol — a cruz —!”

Homens de ferro! Mal na vaga fria
Colombo ou Gama um trilho descobria
Do mar nos escarcéus,
Um padre atravessava os equadores,
Dizendo: “Gênios!… sois os batedores
Da matilha de Deus.”

Depois as solidões surpresas viam
Esses homens inermes, que surgiam
Pela primeira vez.
E a onça recuando s’esgueirava
Julgando o crucifixo… alguma clava
Invencível talvez!

O martírio, o deserto, o cardo, o espinho,
A pedra, a serpe do sertão maninho,
A fome, o frio, a dor,
Os insetos, os rios, as lianas,
Chuvas, miasmas, setas e savanas,
Horror e mais horror …

Nada turbava aquelas frontes calmas,
Nada curvava aquelas grandes almas
Voltadas pra amplidão…
No entanto eles só tinham na jornada
Por couraça — a sotaina esfarrapada…
E uma cruz — por bordão.

Um dia a taba do Tupi selvagem
Tocava alarma… embaixo da folhagem
Rangera estranho pé…
O caboclo da rede ao chão saltava,
A seta ervada o arco recurvava…
Estrugia o boré.

E o tacape brandindo, a tribo fera
De um tigre ou de um jaguar ficava à espera
Com gesto ameaçador…
Surgia então no meio do terreiro
O padre calmo, santo, sobranceiro,
O Piaga do amor.

Quantas vezes então sobre a fogueira,
Aos estalos sombrios da madeira,
Entre o fumo e a luz…
A voz do mártir murmurava ungida
“Irmãos! Eu vim trazer-vos — minha vida…
Vim trazer-vos — Jesus!”

Grandes homens! Apóstolos heróicos!…
Eles diziam mais do que os estóicos:
“Dor, — tu és um prazer!
“Grelha, — és um leito! Brasa, — és uma gema!
Cravo, — és um cetro! Chama, — um diadema
Ó morte, — és o viver!”

Outras vezes no eterno itinerário
O sol, que vira um dia no Calvário
Do Cristo a santa cruz,
Enfiava de vir achar nos Andes
A mesma cruz, abrindo os braços grandes
Aos índios rubros, nus.

Eram eles que o verbo do Messias
Pregavam desde o vale às serranias,
Do pólo ao Equador…
E o Niagara ia contar aos mares…
E o Chimborazo arremessava aos ares
O nome do Senhor!…

Pintura "Père Marquette and the Indians", de Wilhelm Lamprecht. Ilustrando o poema "Jesuítas", de Castro Alves.
Pintura "Père Marquette and the Indians", de Wilhelm Lamprecht. Ilustrando o poema "Jesuítas", de Castro Alves.

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