Immensis orbibus anguis, de Castro Alves

Em “Immensis orbibus anguis”, poema de Castro Alves cujo título pode ser traduzido para algo como “a serpente de imensos círculos”, somos apresentados a uma cena terrível.

Em versos bastante profundos, o eu-lírico descreve uma mata, com animais, pássaros e uma índia americana, que deita e adormece em uma rede enquanto amamenta seu filho. Porém, de um dos coqueiros onde a rede está amarrada, uma cobra venenosa desce e ataca o seio da indígena.

E aqui as interpretações variam: uma cobra realmente a atacou, ou ela apenas sonhou que estava sendo atacada, confundindo o filho com uma cobra enquanto pestanejava de sono? A última estrofe da primeira parte do poema favorece essa segunda interpretação: “A língua do reptil — lambendo o seio imbele!… Uma cobra — por filho… Horrível pesadelo!“.

Porém, toda a cena é construída para servir de comparação à vida do eu-lírico. Na segunda parte do poema, o poeta compara a situação da indígena com a a sua própria: sua alma alegre, enérgica, apaixonada, adormecida na juventude, ofereceu o “seio” à vida, e teve como resultado um “ataque de serpente”, que pode ser interpretado como uma metáfora para alguma situação adversa — uma doença, uma traição etc.

Castro Alves explorou esse tema de um poeta alegre, com um futuro brilhante pela vida, tendo a vida ameaçada prematuramente, com uma certeza de morte, em outros poemas, como em Mocidade e Morte.

Immensis orbibus anguis, de Castro Alves

Sibila lambebant linguis vibrantibus ora.
Virgílio

Resvala em fogo o sol dos montes sobre a espalda,
E lustra o dorso nu da índia americana…
Na selva zumbe entanto o inseto de esmeralda,
E pousa o colibri nas flores da liana.

Ali — a luz cruel, a calmaria intensa!
Aqui — a sombra, a paz, os ventos, a cascata
E a pluma dos bambus a tremular imensa. . .
E o canto de aves mil… e a solidão… e a mata…

E à hora em que, fugindo aos raios da esplanada,
A Indígena, a gentil matrona do deserto
Amarra aos palmeiras a rede mosqueada,
Que, leve como um berço, embala o vento incerto…

Então ela abandona-lhe ao beijo apaixonado
A perna a mais formosa — o corpo o mais macio,
E, as pálpebras cerrando, ao filho bronzeado
Entrega um seio nu, moreno, luzidio.

Porém, dentre os espatos esguios do coqueiro,
Do verde gravatá nos cachos reluzentes,
Enrosca-se e desliza um corpo sorrateiro
E desce devagar pelos cipós pendentes.

E desce… e desce mais… à rede já se chega…
Da índia nos cabelos a longa cauda some…
Horror! aquele horror ao peito eis que se apega!
A baba — quer o leite! — A chaga — sente fome!

O veneno — quer mel! A escama quer a pele!
Quer o almíscar — perfume! — O imundo quer — o belo!
A língua do reptil — lambendo o seio imbele!…
Uma cobra — por filho… Horrível pesadelo!…

II

Assim, minhalma, assim um dia adormeceste
Na floresta ideal da ardente mocidade…
Abria a fantasia — a pétala celeste…
Zumbia o sonho douro em doce obscuridade…

Assim, minh’alma deste o seio (ó dor imensa!)
Onde a paixão corria indômita e fremente!
Assim bebeu-te a vida, a mocidade e a crença,
Não boca de mulher … mas de fatal serpente! …

Uma serpente descendo por um tronco de coqueiro, imagem gerada pelo Bing Image Creator. Ilustrando o poema "Immensis orbibus anguis", de Castro Alves
Uma serpente descendo por um tronco de coqueiro, imagem gerada pelo Bing Image Creator. Ilustrando o poema "Immensis orbibus anguis", de Castro Alves

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