Hino ao Sono, de Castro Alves

Em “Hino ao Sono”, poema lírico de Castro Alves, o eu-lírico “personifica” o sono como uma entidade, um ser benevolente e consolador, um “Deus do infeliz, do mísero”, nas palavras do próprio poeta. Nesse sentido, o sono é uma espécie de médico, capaz de trazer alívio para o sofrimento e para a dor, sendo, portanto, a salvação de desesperados e sofredores.

O eu-lírico vai além na descrição do sono como um ser místico: na segunda e quarta estrofe, ele menciona que, nas horas solitárias da noite, ele consegue enxergar o Sono, sobrevoando pelo espaço e espalhando sonhos, ilusões e fantasias.

Mais adiante, ele chega a pedir para o Sono que venha até ele também, fechando suas pálpebras, ainda abertas em uma noite de insônia por saudade de sua amada. Implora que as feche da mesma forma como fecha as pétalas de plantas. Porém, ele não pede que suas pálpebras sejam fechadas para sempre, como na morte. No final, ele deixa claro que, quando a manhã chegar, ele deseja acordar, para poder ver sua amada.

A última estrofe é bastante interessante: ele se dirige ao Sono chamando-lhe “Morfeu”, o Deus dos Sonhos da mitologia Grega, e promete que vai dedicar a ele sua “lira” (instrumento musical antigo, usado por poetas como acompanhamento ao verso). Ou seja, promete que dedicará a ele todos os seus futuros poemas caso atenda seu pedido.

Hino ao Sono, de Castro Alves

Ó sono! ó noivo pálido
Das noites perfumosas,
Que um chão de nebulosas
Trilhas pela amplidão!
Em vez de verdes pâmpanos,
Na branca fronte enrolas
As lânguidas papoulas,
Que agita a viração.

Nas horas solitárias,
Em que vagueia a lua,
E lava a planta nua
Na onda azul do mar,
Com um dedo sobre os lábios
No vôo silencioso,
Vejo-te cauteloso
No espaço viajar!

Deus do infeliz, do mísero!
Consolação do aflito!
Descanso do precito,
Que sonha a vida em ti!
Quando a cidade tétrica
De angústias e dor não geme…
É tua mão que espreme
A dormideira ali.

Em tua branca túnica
Envolves meio mundo…
É teu seio fecundo.
De sonhos e visões,
Dos templos aos prostíbulos,
Desde o tugúrio ao Paço,
Tu lanças lá do espaço
Punhados de ilusões!…

Da vida o sumo rúbido,
Do hatchiz a essência
O ópio, que a indolência
Derrama em nosso ser,
Não valem, gênio mágico,
Teu seio, onde repousa
A placidez da lousa
E o gozo do viver…

Ó sono! Unge-me as pálpebras…
Entorna o esquecimento
Na luz do pensamento,
Que abrasa o crânio meu.
Como o pastor da Arcádia,
Que uma ave errante aninha…
Minh’alma é uma andorinha…
Abre-lhe o seio teu.

Tu, que fechaste as pétalas
Do lírio, que pendia,
Chorando a luz do dia
E os raios do arrebol,
Também fecha-me as pálpebras…
Sem Ela o que é a vida?…
Eu sou a flor pendida
Que espera a luz do sol.

O leite das eufórbias
Pra mim não é veneno…
Ouve-me, ó Deus sereno!
Ó Deus consolador!
Com teu divino bálsamo
Cala-me a ansiedade!
Mata-me esta saudade.
Apaga-me esta dor.

Mas quando, ao brilho rútilo
Do dia deslumbrante,
Vires a minha amante
Que volve para mim,
Então ergue-me súbito…
É minha aurora linda…
Meu anjo… mais ainda…
É minha amante enfim!

Ó sono! Ó Deus noctívago!
Doce influência amiga!
Gênio que a Grécia antiga
Chamava de Morfeu
Ouve!… E se minha súplicas
Em breve realizares…
Voto nos teus altares
Minha lira de Orfeu!…

Pintura "O Sonho" (1890), de Pierre Puvis de Chavannes. Ilustrando o poema "Hino ao Sono", de Castro Alves.
Pintura "O Sonho" (1890), de Pierre Puvis de Chavannes. Ilustrando o poema "Hino ao Sono", de Castro Alves.

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