Abordando o tema da tristeza imensurável, sem tamanho, o poema “Desalento”, de Auta de Souza, traz uma eloquência sentimental, ligada diretamente ao coração e às esperanças desfeitas.
Desalento, de Auta de Souza
Quando o meu pensamento se transporta
A’s praias de além-mar,
Sinto no peito uma tristeza imensa
Que manda-me chorar.
É que vejo morrerem, uma a uma,
Santas aspirações,
E voarem com os pássaros saudosos
As minhas ilusões…
Nunca julguei que a terra fosse um túmulo
De sonhos juvenis,
Sorrindo acreditei que aqui, no mundo,
Podia ser feliz…
Enganei-me: – a tristeza, que me oprime
O coração sem luz…
Como o Sol o derradeiro raio
Nos braços de uma cruz…
A trêmula saudade que entristece
E faz desfalecer;
Essa agonia lenta que me inspira
Desejos de morrer… –
Tudo me diz que a vida é o desengano,
A morte da Ilusão,
E o mundo um grande manto de tristezas
Que enluta o coração.
Jardim – 1893.
Análise do poema “Desalento”
“Desalento”, de Auta de Souza, é um poema emotivo, falando da tristeza que nasce das desilusões da vida. A poeta começa por nos transportar para além-mar, usando uma metáfora das praias distantes para falar de uma fuga que, ainda assim, não consegue se afastar da melancolia.
Há na primeira estrofe um conexão entre o estado interno, de espírito, do eu-lírico e o mundo exterior, onde a dor emocional é tão real que solicita lágrimas, como se tivesse o poder de agir. A tristeza nesse caso não é apenas uma sensação, mas quase como uma entidade ativa, que “manda” o eu-lírico chorar.
Na segunda estrofe, a morte de “santas aspirações” é comparada ao movimento de pássaros que vão embora, simbolizando a finitude da esperança e a pouca duração dos sonhos. Estes versos trazem uma imagem de perda, reforçando o tema central do poema.
O engano da felicidade possível no mundo mostra a inocência quebrada do eu-lírico; o mundo não é um espaço para a realização, mas um espaço onde os “sonhos juvenis” são enterrados. Esta transição da ilusão para a desilusão equivale a uma perda de luz, onde a tristeza adquire um peso quase insuportável, mencionada posteriormente como uma “agonia lenta”.
Por fim, Auta de Souza conclui que a vida consiste num “desengano” e na “morte da Ilusão”. As palavras nas estrofes finais são fúnebres, revestindo o mundo com um “grande manto de tristezas”, sendo esse manto uma metáfora para as cobertas que envolvem os mortos.