O poema “Sub tegmine fagi” foi escrito por Castro Alves e traz como tema central a relação entre o campo e a poesia. Ele o compara a um ninho que abriga a inspiração e favorece a conexão com Deus. Além disso, também explora a ideia de que a alma encontra sua melhor expressão na natureza, em contraste com o ambiente urbano e com a tendência humana de buscar trevas e obscuridade.
“Sub tegmine fagi”, de Castro Alves
Amigo! O campo é o ninho do poeta…
Deus fala, quando a turba está quieta,
As campinas em flor.
— Noivo — Ele espera que os convivas saiam.
E n′alcova onde as lâmpadas desmaiam
Então murmura. — Amor!
Vem comigo scismar risonho e grave…
A poesia — é uma luz… e alma — uma ave…
Querem trevas e ar.
A andorinha, que é a alma — pede o campo,
A poesia quer sombra — é o pirilampo…
P′ra voar… p′ra brilhar.
Meu Deus! Quanta beleza nessas trilhas…
Que perfume nas doces maravilhas,
Onde o vento gemeu!…
Que flores d′ouro pelas veigas bellas!
Foi um anjo co′a mão cheia de estrellas
Que na terra as perdeu.
Aqui o ether puro se adelgaça…
Não sobe esta blasphemia de fumaça
Das cidades p′ra o céo.
E a Terra é como o insecto friorento
Dentro da flor azul do firmamento,
Cujo cálix pendeu!…
Qual no fluxo e refluxo, o mar em vagas
Leva a concha dourada… e traz das plagas
Corais em turbilhão,
A mente leva a prece a Deus — por perolas,
E traz, volvendo após das praias cerulas,
— Um brilhante — o perdão!
A alma fica melhor no descampado…
O pensamento indomito, arrojado
Galopa no sertão.
Qual nos steppes o corsel fogoso
Relincha e parte turbulento, estoso,
Sólta a crina ao tufão.
Vem! Nós iremos na floresta densa,
Onde na arcada gótica e suspensa
Reza o vento feral.
Enorme sombra cae da enorme rama…
É o Pagode fantástico de Brahma
Ou velha catedral.
Irei contigo pelos ermos — lento,
Scismando, ao pôr do sol, n′um pensamento
Do nosso velho Hugo.
— Mestre do mundo! Sol da eternidade!…
Para ter por planeta a humanidade,
Deus n′um cerro o fixou.
Ao longe, na quebrada da colina,
Enlaça a trepadeira purpurina
O negro mangueiral…
Como no Dante a pálida Francesca,
Mostra o sorriso rubro e a face fresca
Na estrofe sepulcral.
O povo das formosas Amaryllis
Embala-se nas balsas, como as Willis
Que o Norte imaginou.
O antro — fala… o ninho s′estremece…
A Dryade entre as folhas aparece…
Pan na flauta soprou!…
Mundo estranho e bizarro da quimera,
A fantasia desvairada gera
Um paganismo aqui.
Melhor eu compreendo então Virgílio…
E vendo os Faunos lhe dançar no idílio
Murmuro crente: — eu vi! —
Quando penetro na floresta triste,
Qual pela ogiva gótica o antiste
Que procura o Senhor,
Como bebem as aves peregrinas
Nas ânforas de orvalho das boninas,
Eu bebo crença e amor!…
E á tarde, quando o sol — condor sangrento,
No ocidente se aninha somnolento,
Como a abelha na flor…
E a luz da estrela tremula se irmana
Co′a fogueira noturna da cabana,
Que ascendera o pastor,
A lua — traz um raio para os mares…
A abelha — traz o mel… um threno aos lares
Traz a rola a carpir….
Também deixa o poeta a selva escura
E traz alguma estrofe, que fulgura,
P′ra legar ao porvir!…
Vem! Do mundo leremos o problema
Nas folhas da floresta ou do poema,
Nas trevas ou na luz…
Não vês?… Do céu a cúpula azulada,
Como uma taça sobre nós voltada,
Lança a poesia à flux!…
Boa-Vista. — 1867.
Análise do poema “Sub tegmine fagi”
No poema “Sub tegmine fagi” (“sob o manto das faias”), Castro Alves explora a profunda conexão entre o campo e a poesia.
O poeta inicia tratando o campo como um ninho, um refúgio sagrado que abriga a inspiração e a comunicação com Deus. O campo é descrito como um lugar paradisíaco, repleto de beleza e maravilhas. Alves utiliza uma linguagem poética rica em metáforas e simbolismos para retratar a grandiosidade e a paz encontradas no campo, em contraste com o ambiente urbano conturbado.
O campo é retratado como um local que permite ao poeta libertar sua mente indomável, estimulando a criatividade. Assim como um cavalo selvagem, o pensamento galopa livremente pelo campo, exibindo sua força e vitalidade. A natureza exuberante do campo é comparada a um pagode místico ou a uma catedral antiga, transmitindo a grandiosidade e o mistério do ambiente.
A presença de elementos mitológicos, como faunos e pan, adiciona um toque fantasioso ao poema. Alves revela que através do campo, consegue compreender figuras da literatura clássica, como Virgílio, e testemunhar o idílio dos faunos. O poeta demonstra sua adoração pela natureza ao afirmar que quando entra na floresta triste, encontra renovação, assim como as aves encontram alimento nas boninas.
No entardecer, o poeta menciona a lua trazendo seu raio aos mares, a abelha trazendo mel e a rola lamentando nos lares. Essas imagens poéticas transmitem a ideia de que a natureza e os seus elementos possuem uma mensagem e propósito, que são transmitidos ao poeta, para que este os legue ao futuro através de suas estrofes.
O poema encerra destacando a importância da poesia, representada pela cúpula azulada do céu que lança a poesia ao fluxo do mundo. Essa visão de poesia como algo transcendental e eterno é uma forma de declarar a relevância do campo como fonte de inspiração artística.
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