O poema “Sonhando”, de Álvares de Azevedo, retrata por meio de metáforas e simbolismos a fascinação e adoração por uma mulher misteriosa que ele encontra em uma praia deserta durante a noite. O poema, escrito em forma de diálogo entre o poeta e a mulher, transmite uma atmosfera de romantismo, melancolia e mistério.
Sonhando – Álvares de Azevedo
Hier, la nuit d’été, que nous prêtait ses voiles, Était digne de toi, tant elle avait d’étoiles!
VICTOR HUGO
Na praia deserta que a lua branqueia,
Que mimo! que rosa! que filha de Deus!
Tão pálida… ao vê-la meu ser devaneia,
Sufoco nos lábios os hálitos meus!
Não corras na areia,
Não corras assim!
Donzela, onde vais?
Tem pena de mim!
A praia é tão longa! e a onda bravia
As roupas de gaza te molha de escuma;
De noite – aos serenos – a areia é tão fria,
Tão úmido o vento que os ares perfuma!
És tão doentia!
Não corras assim!
Donzela, onde vais?
Tem pena de mim!
A brisa teus negros cabelos soltou,
O orvalho da face te esfria o suor;
Teus seios palpitam – a brisa os roçou,
Beijou-os, suspira, desmaia de amor!
Teu pé tropeçou…
Não corras assim!
Donzela, onde vais?
Tem pena de mim!
E o pálido mimo da minha paixão
Num longo soluço tremeu e parou;
Sentou-se na praia, sozinha no chão,
A mão regelada no colo pousou!
Que tens, coração,
Que tremes assim?
Cansaste, donzela?
Tem pena de mim!
Deitou-se na areia que a vaga molhou.
Imóvel e branca na praia dormia;
Mas nem os seus olhos o sono fechou
E nem o seu colo de neve tremia.
O seio gelou?…
Não durmas assim!
Ó pálida fria,
Tem pena de mim!
Dormia – na fronte que níveo suar!
Que mão regelada no lânguido peito!
Não era mais alvo seu leito do mar,
Não era mais frio seu gélido leito!
Nem um ressonar!…
Não durmas assim!
Ó pálida fria,
Tem pena de mim!
Aqui no meu peito vem antes sonhar
Nos longos suspiros do meu coração:
Eu quero em meus lábios teu seio aquentar,
Teu colo, essas faces, e a gélida mão!
Não durmas no mar!
Não durmas assim.
Estátua sem vida,
Tem pena de mim!
E a vaga crescia seu corpo banhando,
As cândidas formas movendo de leve!
E eu vi-a suave nas águas boiando
Com soltos cabelos nas roupas de neve!
Nas vagas sonhando
Não durmas assim;
Donzela, onde vais?
Tem pena de mim!
E a imagem da virgem nas águas do mar
Brilhava tão branca no límpido véu!
Nem mais transparente luzia o luar
No ambiente sem nuvens da noite do céu!
Nas águas do mar
Não durmas assim!
Não morras, donzela,
Espera por mim!
Análise do poema “Sonhando”
O poema “Sonhando” de Álvares de Azevedo é marcado pela intensidade emocional e pelo uso de imagens poéticas que evocam sentimentos de encanto, desejo e melancolia. A praia deserta e a presença da lua criam uma atmosfera misteriosa e romântica, propícia para os devaneios do eu lírico.
O eu lírico se vê completamente fascinado pela presença da mulher na praia, caracterizando-a como uma figura divina, dotada de beleza e pureza. A paixão e o desejo são expressos por meio de metáforas, como a sufocação nos lábios e o devaneio diante da sua aparição. A presença do mar e da areia fria reforçam a solidão e o desamparo do poeta diante do objeto de sua adoração.
A imagem da mulher é apresentada como frágil e doentia, com cabelos negros soltos, rosto orvalhado e seios palpitantes. A brisa e o mar interagem com ela, intensificando o clima de sensualidade e amor. No entanto, a mulher acaba desaparecendo, mergulhando no mar, enquanto o poeta suplica para que ela não durma e espere por ele.
Através de metáforas que retratam a mulher como uma estátua sem vida e um corpo flutuando nas águas, o eu lírico revela sua impotência diante da partida da amada. O poema transmite uma atmosfera de angústia e desejo perdido, retratando a paixão como algo fugaz e efêmero.
O poema “Sonhando” é uma representação típica do movimento literário do Romantismo, pelo seu tom sentimental, pela idealização da figura feminina e pela intensidade emocional presente nas imagens poéticas. O eu lírico expressa suas emoções e anseios de forma intensa, buscando a transcendência e a realização do amor impossível.