Em “Remorso”, de Castro Alves, é discutido especialmente o tema do remorso, como o nome sugere, e suas metáforas, tendo uma atmosfera sombria e densa criada pelo poeta relacionada a uma perseguição a cavalo.
Remorso, de Castro Alves
Cavaleiro sinistro, embuçado,
Neste negro cavalo montado,
Onde vais galopando veloz?
Tu não vês como o vento farfalha,
E das nuvens sacode a mortalha
Ululando com lúgubre voz?
Cavaleiro, onde vais? Tu não sentes
Teu capote seguro nos dentes
E nas garras do negro tufão,
Nestas horas de horror e segredo
Quando os mangues s’escondem com medo
Tiritando no mar n’amplidão?
Quando a serra se embuça em neblinas
E as lufadas sacodem as crinas
Do pinheiro que geme no val,
E no espaço se apagam as lampas,
E uma chama azulada nas campas
Lambe as pedras por noite hibernal,
Onde vais? Onde vais temerário
A correr… a voar?… Que fadário
Aos ouvidos te grita — fugi?
Por que fitas o olhar desvairado
No horizonte que foge espantado
Em tuas costas com medo de ti?
Ai! debalde galopas a est’hora!
É debalde que sangra na espora
Negro flanco do negro corcel.
E no célere rápido passo
Devorando com as patas o espaço
Saltas montes e vales revel.
Não apagas da fronte o ferrete
Onde o crime com frio estilete
Nome estranho bem fundo gravou.
O que buscas? — A noite sem lumes?
P’ra aclarar-te fatais vaga-lumes
Teu cavalo do chão despertou.
De bem longe o arvoredo trevoso,
Estirando o pescoço nodoso,
Vem — correndo — na estrada te olhar.
Mas tua fronte maldita encarando,
Foge… foge veloz recuando,
Vai nas brumas a fronte velar.
Tu não vês? Qual matilha esfaimada,
Lá dos morros por sobre a quebrada,
Ladra o eco gritando: quem és?
Onde vais, cavaleiro maldito?
Mesmo oculto nos véus do infinito
Tua sombra te morde nos pés.
Análise do poema “Remorso”
O poema “Remorso” de Castro Alves é um mergulho profundo na psicologia humana, explorando o sentimento de remorso e sua consequente angústia. O eu lírico é caracterizado como um cavaleiro sinistro, embuçado em seu cavalo negro, que corre desesperadamente em busca de algum alívio para sua culpa.
A atmosfera criada pelo poeta é densa e sombria. O vento farfalha e as nuvens parecem revirar-se, simbolizando a intranquilidade interior do cavaleiro. Há uma intensidade nas descrições do ambiente, com serra em neblinas, lampas sendo apagadas e uma chama azulada lambendo as pedras por uma noite hibernal. Essas imagens trazem um ar de mistério e sofrimento, acentuando a tristeza e o tormento do eu lírico.
A presença do cavalo negro, símbolo da morte e do mal, reforça a ideia de que o cavaleiro está perpetuamente condenado. O cavaleiro é perseguido por sua culpa, ou “ferrete” como é descrito, que gravou em sua fronte como uma marca indelével. Sua sombra o persegue, como se a própria culpa o devorasse.
O poema traz uma reflexão sobre as consequências do remorso e da culpa. O eu lírico foge desesperadamente, mas é incapaz de se livrar de seu passado. Mesmo tentando se esconder nas brumas do infinito, ele carrega consigo seu remorso e sofre as consequências. É uma visão angustiante da autocondenação e da inelutabilidade do peso das ações passadas.
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