Chorando, de Auta de Souza – Análise

“Chorando”, de Auta de Souza, é um daqueles poemas que, ao mergulhar nas águas profundas da perda e nostalgia, nos conecta com uma experiência humana dolorosamente compartilhada: o luto pela ausência materna.

A poeta potiguar, cuja breve existência foi marcada por tragédias pessoais, expressa aqui a angústia de quem permanece na penumbra da existência após a partida de um ente amado para uma dimensão inatingível.

Chorando, de Auta de Souza

Fazia noite… A tristeza
Tudo envolvia em seu véu;
Soluçava a Natureza,
Caía orvalho do Céu.

E n’aquela noite assim,
Tão tenebrosa e tão fria!
A minha mãe se partia
Para o Céu azul sem fim.

Falou-me a chorar: filhinha,
O vício do mundo aterra…
Tu’alma reúne à minha,
Fujamos ambas da terra.

Beijou-me… e, qual sonho doce,
Sua vida evaporou-se.

Ó mãe! por que me deixaste
No mundo sem teu amor?
Sou como o lírio sem haste
Murchando triste inda em flor.

Podias ter-me levado
Ao Céu contigo, divina…
Iria em teu seio amado:
Eu era tão pequenina!

Fiquei sozinha e perdida,
Ó mãe! no mundo de abrolhos…
Na noite de minha vida
Derrama a luz de teus olhos!

Quanta tristeza se encerra
Do mundo no escuro véu!
Não quero morar na terra;
Contigo leva-me ao Céu!

Julho de 1897.

Análise do poema “Chorando”

“Chorando” de Auta de Souza é um lamento em forma de verso, uma expressão lírica da dor e do desejo de reencontro com o amor perdido de uma mãe.

O poema se constrói em torno da noite como cenário e metáfora do luto, com a Natureza personificada em pranto pela ausência da figura materna. A chuva que cai – o orvalho do Céu – reflete a tristeza que permeia a existência da poetisa após a morte de sua mãe.

A terceira estrofe narra o último encontro e a fala de despedida, onde a mãe revela a sua preocupação com os vícios do mundo e expressa o desejo de liberdade espiritual para si e para a filha. O beijo final, descrito como um sonho doce, simboliza a transição da vida para a morte e a dissolução das barreiras entre a realidade e o etéreo.

As demais estrofes revelam o desamparo da voz poética, que se vê como um “lírio sem haste”, enfatizando a fragilidade e a precariedade de sua existência sem a proteção maternal. O desejo de uma morte precoce, de uma viagem ao céu na infância, revela a profundidade do seu sofrimento. A persistente solidão é reforçada pelo mundo cheio de “abrolhos,” ou seja, dificuldades e tristezas.

O clamor final da voz lírica pelo amparo luminoso e orientador dos olhos maternos, mesmo na ‘noite de sua vida’, é um apelo tanto por conforto quanto por guia espiritual. Ao rejeitar a permanência na Terra e almejar a companhia celestial, a poeta reforça a ideia de que o amor de uma mãe é um refúgio transcendental, e a separação uma fonte contínua de dor existencial.

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Alexandre Garcia Peres

Criador do site Literatura Online e Redator, Editor e Analista de SEO com três anos de experiência. Formado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), com foco em literatura e TCC em Paulo Leminski. Fez um ano de especialização em Teoria da Literatura e sua maior área de interesse é a poesia brasileira, principalmente os poetas da segunda e terceira geração do romantismo.

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