Em “Quando eu morrer”, de Castro Alves, um eu-lírico reflete sobre a morte e o desconforto que sente ao imaginar seu corpo sendo lançado em um sombrio cemitério. Através de metáforas e simbolismos, o autor nos convida a refletir sobre as emoções e os sentimentos que a morte desperta em nós.
“Quando eu morrer”, de Castro Alves
Quando eu morrer… não lancem meu cadáver
No fosso de um sombrio cemitério…
Odeio o mausoléu que espera o morto
Como o viajante desse hotel funéreo.
Corre nas veias negras desse mármore
Não sei que sangue vil de messalina,
A cova, num bocejo indiferente,
Abre ao primeiro o boca libertina.
Ei-la a nau do sepulcro – o cemitério…
Que povo estranho no porão profundo!
Emigrantes sombrios que se embarcam
Para as plagas sem fim do outro mundo.
Tem os fogos – errantes – por santelmo.
Tem por velame – os panos do sudário…
Por mastro – o vulto esguio do cipreste,
Por gaivotas – o mocho funerário…
Ali ninguém se firma a um braço amigo
Do inverno pelas lúgubres noitadas…
No tombadilho indiferentes chocam-se
E nas trevas esbarram-se as ossadas…
Como deve custar ao pobre morto
Ver as plagas da vida além perdidas,
Sem ver o branco fumo de seus lares
Levantar-se por entre as avenidas!…
Oh! perguntai aos frios esqueletos
Por que não têm o coração no peito…
E um deles vos dirá “Deixei-o há pouco
De minha amante no lascivo leito.”
Outro: “Dei-o a meu pai”. Outro: “Esqueci-o
Nas inocentes mãos de meu filhinho”…
Meus amigos! Notai… bem como um pássaro
O coração do morto volta ao ninho!…
Análise do poema “Quando eu morrer”
O poema “Quando eu morrer” nos apresenta uma reflexão profunda e intensa sobre a morte, explorando diversos elementos simbólicos e metafóricos. O eu lírico expressa seu descontentamento em relação aos rituais funerários, mostrando uma visão negativa do cemitério como um lugar sombrio e hostil.
O autor utiliza a imagem da cova, que abre sua boca de forma indiferente, como um símbolo da inevitabilidade e impessoalidade da morte. Além disso, a comparação do cemitério com uma embarcação e seus habitantes como emigrantes sombrios que partem para o “outro mundo” reforça a ideia de uma travessia desconhecida.
As metáforas também desempenham um papel fundamental na transmissão das emoções presentes no poema. O autor associa os fogos errantes aos santelmos, que são fenômenos luminosos observados em algumas regiões marítimas, sugerindo a presença de algo místico e instável. Os panos do sudário, utilizados como velame, remetem ao luto e à mortalidade. O vulto esguio do cipreste como mastro evoca a imagem de um elemento esguio e solitário em meio à paisagem fúnebre.
A ausência do afeto e do apoio humano é retratada no verso “Ali ninguém se firma a um braço amigo/Do inverno pelas lúgubres noitadas”, evidenciando a solidão que acompanha esse momento tão solene. O eu lírico expressa sua frustração ao imaginar que não poderá mais ver as coisas simples e familiares, como o branco fumo de seus lares levantando-se entre as avenidas.
No último trecho do poema, o autor questiona a ausência de coração nos esqueletos, fazendo referência às relações afetivas deixadas para trás. Cada esqueleto tem uma justificativa para não ter mais o coração consigo, como deixá-lo com uma amante, entregá-lo ao pai ou esquecê-lo nas mãos de um filho. No entanto, o autor enfatiza que, assim como um pássaro, o coração do morto volta ao seu “ninho”, ressaltando a importância das relações afetivas mesmo após a morte.
Você também pode gostar de ler:
O Fantasma e a Canção, de Castro Alves