Horas de Martírio, de Castro Alves

Em “Horas de Martírio”, de Castro Alves, o eu-lírico expressa um profundo sentimento de saudade e anseio por sua amada, e de como a falta dela causa nele um desespero profundo, angustiante a ponto de parecer que o tempo parou de passar, e míseros instantes são horas de martírio (daí o nome).

Em meio a esse desabafo, o eu-lírico também recorda os momentos que os dois passaram juntos: do lugar, das palavras, dos olhares, das carícias. Ele termina o poema desejando que o tempo passe mais rápido, para que ele possa finalmente voltar a beijá-la.

Horas de Martírio, de Castro Alves

DAMA NEGRA

De dia na soidão seguir-te os passos,
De noite vigiar-te à luz da alimpada,
Ser quem amas, e a sombra com quem somos
Eis minha eternidade!
MACIEL MONTEIRO.

QUANDO LONGE de ti eu vegeto
Nestas horas de largos instantes,
O ponteiro, que passa os quadrantes
Marca sec’los, s’esquece de andar.
Fito o céu — é uma nave sem lâmpada.
Fito a terra — é uma várzea sem flores.
O universo é um deserto de dores
A madona não brilha no altar.

Então lembro os momentos passados,
Então lembro tuas frases queridas,
Como o infante que as pedras luzidas
Uma a uma desfia na mão.
Como a virgem, que as jóias de noiva
Conta alegre a sorrir de alegria,
Conto os risos, que deste-me um dia,
Que rolaram no meu coração.

Me recordo o lugar onde estavas.
O rugir de teu lindo vestido,
Como as asas de um anjo caído
Quando roçam nas flores do vai…
Vejo ainda os teus olhos quebrados,
Este olhar de tão fúlgidos raios,
Este olhar que me mata em desmaios,
Doce, terno, amoroso, fatal…

Tuas frases… são graças, que voam,
É meu peito — o seu cândido ninho…
Teus amores — a flor do caminho,
Que eu apanho, viajante do amor.
Quer os cardos me firam as plantas,
Quer os ventos me açoitem a fronte,
Dou-lhe orvalho — do pranto na fonte,
Dou-lhe sol — do meu peito no ardor.

Oh! se Deus algum dia orgulhoso
O seu livro infinito volvesse,
E nas letras de estrelas relesse
Seu passado nas folhas azuis
Não teria o orgulho que tenho,
Quando o abismo dest’alma sondando,
No infinito de amor me abismando
Eu me engolfo num pego de luz …

Teu amor… teu amor me engrandece,-
Dá-me forças nos transes da vida,
E a borrasca fatal, insofrida,
Faz-me dó, faz-me rir de desdém…
Se eu cair, — rolarei no teu seio…
Se eu sofrer, — ouvirei o teu canto!
Sentirei nos meus dias de pranto
Que inda longe de mim — vela alguém!

Meu amor… Meu amor é um delírio…
É volúpia, que abrasa e consome
Meu amor é uma mescla sem nome.
És um anjo, e minh’alma — um altar.
Oh! meu Deus! manda ao tempo, que fuja,
Que deslizem em fio os instantes,
E o ponteiro, que passa os quadrantes,
Marque a hora em que a possa beijar.

Pintura "O Beijo da Musa", de Paul Cézanne. Ilustrando o poema "Horas de Martírio", de Castro Alves.
Pintura "O Beijo da Musa", de Paul Cézanne. Ilustrando o poema "Horas de Martírio", de Castro Alves.

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