O Fantasma e a Canção, de Castro Alves

O poema “O fantasma e a Canção”, de Castro Alves, é uma metáfora sobre memória, poder e arte. Nele, vemos o fantasma de um Rei, que representa simbolicamente grandes figuras do passado (como Sólon e Homero, citados no poema), pedindo abrigo em uma casa após ser banido de seu próprio castelo pela morte.

O fantasma lamenta o esquecimento e o desrespeito que sofre após a morte, mas há, no final, um vislumbre de esperança: uma figura argentina oferece abrigo ao fantasma. Essa figura argentina representa a “canção”, que faz com que os grandes nomes da história sejam lembrados através de canções, poemas e versos. Como o próprio poema diz: aos grandes da passado, o último trono é o poema; o último asilo é a canção.

Essa mensagem é reforçada inclusive pela epígrafe do poema, uma citação do poeta inglês Lord Byron, que também fala sobre como grandes figuras poderosas vão buscar abrigo em canções após a morte.

O Fantasma e a Canção, de Castro Alves

Orgulho! desce os olhos dos céus
Sobre ti mesmo; e vê como os nomes
Mais poderosos vão se refugiar n'uma
Canção.
BYRON

— Quem bate? — “A noite é sombria!”
— Quem bate? — “É rijo o tufão!…
Não ouvis? a ventania
Ladra à lua como um cão.”
— Quem bate? — “O nome qu′importa?
Chamo-me dor… abre a porta!
Chamo-me frio… abre o lar!
Dá-me pão… chamo-me fome!
Necessidade — é o meu nome!”
— Mendigo! podes passar!

“Mulher, se eu falar, prometes
A porta abrir-me?” — Talvez.
— “Olha… Nas cãs deste velho
Verás fanados laureis.
Há no meu crânio enrugado
O fundo sulco traçado
Pela c′roa imperial.
Foragido, errante espectro,
Meu cajado — já foi sceptro!
Meus trapos — manto real!”

— Senhor, minha casa é pobre…
Ide bater a um solar!
“De lá venho… O Rei-fantasma
Baniram do proprio lar.
Nas largas escadarias,
Nas vetustas galerias,
Os pajens e as cortesãs
Cantavam!… Reinava a orgia!…
Festa! Festa! E ninguém via
O rei coberto de cãs!”

— Fantasma! Aos grandes que tombam,
É palácio o mausoléu!
Também meu tumulo morreu.
— “Silencio! De longe eu venho…
O sec′lo — traça que medra
Nos livros feitos de pedra,
Rói o mármore, cruel.
O tempo — Átila terrível,
Quebra co′a pata invisível
Sarcófago e capitel.

— “Desgraça então para o espectro,
Quer seja Homero ou Solon,
Se, medindo a treva imensa,
Vai bater ao Pantheon…
O motim — Nero profano —
No ventre da cova insano
Mergulha os dedos cruéis.
Da guerra nos paroxismos
Se abismam mesmo os abismos
E o morto morre outra vez!

“Então, nas sombras infindas,
S′esbarram em confusão
Os fantasmas sem abrigo
Nem no espaço, nem no chão…
As almas angustiadas,
Como águias desaninhadas,
Gemendo voam no ar.
E enchem de vagos lamentos
As vagas negras dos ventos,
Os ventos do negro mar!

“Bati a todas as portas
Nem uma só me acolheu!…
— Entra! — Uma voz argentina
Dentro do lar respondeu.
— “Entra, pois, sombra exilada!
Entra! O verso — é uma pousada
Aos reis que perdidos vão.
A estrofe é a purpura extrema,
Ultimo trono — é o poema!
Ultimo asilo — a Canção!

Pintura "O O Velho Guitarrista", de Pablo Picasso. Ilustrando o poema "O Fantasma e a Canção", de Castro Alves.
Pintura "O O Velho Guitarrista", de Pablo Picasso. Ilustrando o poema "O Fantasma e a Canção", de Castro Alves.
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Alexandre Garcia Peres

Criador do site Literatura Online e Redator, Editor e Analista de SEO com três anos de experiência. Formado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), com foco em literatura e TCC em Paulo Leminski. Fez um ano de especialização em Teoria da Literatura e sua maior área de interesse é a poesia brasileira, principalmente os poetas da segunda e terceira geração do romantismo.

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