Em “Pelas Sombras”, poema dedicado ao Padre Francisco de Paula, Castro Alves reflete sobre a luta pessoal do indivíduo contra as dúvidas e incertezas da vida.
Ele é aberto com uma epígrafe com uma citação em francês do escritor Hippolyte de La Morvonnais, que pode ser traduzido para algo como “É que eu sou atingido pela dúvida. É que a estrela da fé não ilumina mais meu caminho escuro. Tudo é abismo ao meu redor“. Aqui, os temas centrais do poema já estão presentes: o medo, a dúvida, a escuridão, como se o eu-lírico estivesse numa jornada solitária por uma noite escura e vazia.
Ao longo do poema, o eu-lírico caminha por uma praia escura, repleta de perigos e obstáculos. Essa praia provavelmente é uma metáfora para a sua vida, igualmente repleta de adversidades e encoberta pela escuridão da incerteza e da dúvida. Apesar de tentar encontrar um guia ou uma resposta para seus dilemas existenciais (já que ele diz elevar, “em vão”, uma “lâmpada sem luz”), de nada adianta, pois ele continua sem saber o que fazer ou para onde ir.
Entretanto, ao longo dessa jornada ele recebe duas respostas em sua busca por orientação: “Acende, ó Viajor — o facha da Razão” e “Acende, ó Viajor! a Fé no coração!”. Ou seja, há dois caminhos a se seguir: o da lógica e da razão, ou o da fé e da crença espiritual, ambas indispensáveis do ponto de vista do poema.
Pelas Sombras, de Castro Alves
Ao Padre Francisco de Paula
Cest que je suis frappé du doute.
Cest que létoile de la foi
Néclaire plus ma noire route.
Tout est abime autour de moi!
(La Morvonnais)
Senhor! A noite é brava… a praia é toda escolhos.
Ladram na escuridão das Circes as cadelas…
As lívidas marés atiram, a meus olhos,
Cadáveres, que riem à face das estrelas!
Da garça do oceano as ensopadas penas
O mórbido suor enxugam-me da testa.
Na aresta do rochedo o pé se firma apenas…
No entanto ouço do abismo a rugidora festa! …
Nas orlas de meu manto o vendaval senrola. . .
Como invisível destra açoita as faces minhas…
Enquanto que eu tropeço… um grito ao longe rola…
“Quem foi?” perguntam rindo as solidões marinhas.
Senhor! Um facho ao menos empresta ao caminhante.
A treva me assoberba… O Deus! dá-me um clarão!
E uma Voz respondeu nas sombras triunfante:
“Acende, ó Viajor! — o facho da Razão!”
…………………………………………………………………
Senhor! Ao pé do lar, na quietação, na calma
Pode a flama subir brilhante, loura, eterna;
Mas quando os vendavais, rugindo, passam n’alma,
Quem pode resguardar a trêmula lanterna?
Torcida… desgrenhada aos dedos da lufada
Bateu-me contra o rosto… e se abismou na treva,
Eu vi-a vacilar… e minha mão queimada
A lâmpada sem luz embalde ao raio eleva.
Quem fez a gruta — escura, o pirilampo cria!
Quem fez a noite — azul, inventa a estrela clara!
Na fronte do oceano — acende uma ardentia!
Com o floco do Santelmo — a tempestade aclara!
Mas ai! Que a treva interna — a dúvida constante —
Deixaste assoberbar-me em funda escuridão! …
E uma Voz respondeu nas sombras triunfante:
“Acende, ó Viajor! a Fé no coração!…”
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