Em “Os Anjos da Meia-Noite”, belíssimo e lírico poema de Castro Alves, vemos uma espécie de fluxo de consciência de um eu-lírico que está sofrendo de insônia. A insônia, nesse caso, é descrita como um “lívido vampiro”, como um arcanjo que guarda uma sepultura. A “Meia-Noite” não parece ter sido escolhida atoa, já que este é considerado um horário de transição e mistério, quando o mundo “normal” dá lugar ao sobrenatural.
Tomado por uma espécie de “febre”, que o faz suar o travesseiro e lhe causa alucinações, ele passa a enxergar os “Anjos da Meia-noite”, que nada mais são nesse caso que as memórias de amores passados. Elas são chamadas por vários nomes: almas, mulheres, virgens serenas, madonas, querubins e madalenas.
O eu-lírico convida estes “Anjos da Meia-noite”, por quem ele ainda nutre sentimentos (e, como a “febre” sugere, desejo sexual), a virem até ele. Porém, elas apenas continuam andando pelo quarto, estendendo sua noite em claro.
Os Anjos da Meia-Noite, de Castro Alves
FOTOGRAFIAS
I
QUANDO A INSÔNIA, qual lívido vampiro,
Como o arcanjo da guarda do Sepulcro,
Vela à noite por nós,
E banha-se em suor o travesseiro,
E além geme nas franças do pinheiro
Da brisa a longa voz…
Quando sangrenta a luz no alampadário
Estala, cresce, expira, após ressurge,
Como uma alma a penar;
E canta aos guizos rubros da loucura
A febre — a meretriz da sepultura —
A rir e a soluçar…
Quando tudo vacila e se evapora,
Muda e se anima, vive e se transforma,
Cambaleia e se esvai…
E da sala na mágica penumbra
Um mundo em trevas rápido se obumbra…
E outro das trevas sai…
Então… nos brancos mantos, que arregaçam
Da meia-noite os Anjos alvos passam
Em longa procissão!
E eu murmuro ao fitá-los assombrado:
São os Anjos de amor de meu passado
Que desfilando vão…
Almas, que um dia no meu peito ardente
Derramastes dos sonhos a semente,
Mulheres, que eu amei!
Anjos louros do céu! virgens serenas!
Madonas, Querubins ou Madalenas!
Surgi! aparecei!
Vinde, fantasmas! Eu vos amo ainda;
Acorde-se a harmonia à noite infinda
Ao roto bandolim…
E no éter, que em notas se perfuma,
As visões s’alteando uma por uma,
Vão desfilando assim! …
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