O Hóspede, de Castro Alves

Em “O Hóspede”, de Castro Alves, vemos a história de um viajante estrangeiro que é acolhido em um lar solitário, em meio a um deserto (metafórico ou verdadeiro, não sabemos). O poema evoca sentimentos de solidão, amor não correspondido, tristeza, busca por algo que não se sabe bem o quê.

Algo interessante é que o poema é narrado não pelo viajante, mas possivelmente pela mulher que o abrigou em sua casa e o encheu de questionamentos. Ela tenta o convencer a ficar, chegando a dizer diretamente “Não partas, não! Aqui todos te querem!”. Porém, o próprio título do poema já revela o seu desfecho: sendo um “hóspede”, ele está apenas de passagem.

Ao final do poema, ele volta à sua jornada sem fim, mesmo com as promessas de amor e conforto que lhe são oferecidas. Porém, ele não parte em busca de algo melhor: os últimos versos sugerem que ele simplesmente continuou sua jornada.

O Hóspede, de Castro Alves

Onde vais estrangeiro! Por que deixas
O solitário albergue do deserto?
O que buscas além dos horizontes?
Por que transpor o píncaro dos montes,
Quando podes achar o amor tão perto?…

“Pálido moço! Um dia tu chegaste
De outros climas, de terras bem distantes…
Era noite!… A tormenta além rugia…
Nos abetos da serra a ventania
Tinha gemidos longos, delirantes.

“Uma buzina restrugiu no vale
Junto aos barrancos onde geme o rio…
De teu cavalo o galopar soava,
E teu cão ululando replicava
Aos surdos roncos do trovão bravio.
“Entraste! A loura chama do brasido

Lambia um velho cedro crepitante,
Eras tão triste ao lume da fogueira…
Que eu derramei a lágrima primeira
Quando enxuguei teu manto gotejante!
“Onde vais, estrangeiro? Por que deixas
Esta infeliz, misérrima cabana?

Inda as aves te afagam do arvoredo…
Se quiseres… as flores do silvedo
Verás inda nas tranças da serrana.
“Queres voltar a este país maldito
Onde a alegria e o riso te deixaram?
Eu não sei tua história… mas que importa?…

… Bóia em teus olhos a esperança morta
Que as mulheres de lá te apunhalaram.
“Não partas, não! Aqui todos te querem!
Minhas aves amigas te conhecem.
Quando à tardinha volves da colina
Sem receio da longa carabina

De lajedo em lajedo as corças descem!
“Teu cavalo nitrindo na savana
Lambe as úmidas gramas em meus dedos,
Quando a fanfarra tocas na montanha,
A matilha dos ecos te acompanha
Ladrando pela ponta dos penedos.

“Onde vais, belo moço? Se partires
Quem será teu amigo, irmão e pajem?
E quando a negra insônia te devora,
Quem, na guitarra que suspira e chora,
Há de cantar-te seu amor selvagem?
“A choça do desterro é nua e frial

O caminho do exílio é só de abrolhosl
Que família melhor que meus desvelos?…
Que tenda mais sutil que meus cabelos
Estrelados no pranto de teus olhos?…
“Estranho moço! Eu vejo em tua fronte
Esta amargura atroz que não tem cura.

Acaso fulge ao sol de outros países,
Por entre as balças de cheirosos lises,
A esposa que tua alma assim procura?
“Talvez tenhas além servos e amantes,
Um palácio em lugar de uma choupana,

E aqui só tens uma guitarra e um beija,
E o fogo ardente de ideal desejo
Nos seios virgens da infeliz serrana!…”
No entanto Ele partiu!… Seu volto ao longe
Escondeu-se onde a vista não alcança…
… Mas não penseis que o triste forasteiro

Foi procurar nos lares do estrangeiro
O fantasma sequer de uma esperança!…

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Outro poema de Castro Alves que também representa um viajante, vagando de porta em porta, é “Ahasverus e o Gênio“.

Pintura "The Path Unknown", de John Waterhouse. Ilustrando o poema "O Hóspede", de Castro Alves.
Pintura "The Path Unknown", de John Waterhouse. Ilustrando o poema "O Hóspede", de Castro Alves.
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Alexandre Garcia Peres

Criador do site Literatura Online e Redator, Editor e Analista de SEO com três anos de experiência. Formado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), com foco em literatura e TCC em Paulo Leminski. Fez um ano de especialização em Teoria da Literatura e sua maior área de interesse é a poesia brasileira, principalmente os poetas da segunda e terceira geração do romantismo.

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