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O Voo do Gênio, de Castro Alves

O poema “O Voo do Gênio” é dedicado à atriz portuguesa Eugênia Câmara, de quem Castro Alves foi amante em vida. Sendo um dos mais belos poemas do autor baiano, ele retrata um eu-lírico que é arrastado por um Arcanjo para um voo pelo espaço, em direção ao paraíso, um “país ideal”.

Não sabemos quem é o Arcanjo em questão: o eu-lírico até o questiona, perguntando se por acaso ele seria John Milton, autor de Paraíso Perdido que ficou cego conforme descrito no poema. Porém, ele nada responde. Sabemos, entretanto, que o arcanjo está associada nesse caso à figura do gênio, simbolizando a aspiração poética e o poder da imaginação.

O arcanjo mostra ao eu-lírico o paraíso, com flores e rios em abundância, em contraste com a terra, descrita como um abismo de trevas. Ele até mesmo é beijado pela sombra de Molière, dramaturgo francês do século 17. Depois, ele vai a um lugar de onde se ouve o canto de namoradas, mergulhando nos mares das paixões e sendo seduzido pela figura feminina. Nesse ponto o poema tem uma reviravolta: por ter caído em tentação, o arcanjo perde suas asas, fazendo com que o eu-lírico peça perdão.

Na última estrofe, ele pede para que o Arcanjo encerre o voo, pois ele está sobrecarregado pela experiência que teve. Nos dois últimos versos, ele afirma que seus dedos já não dão mais conta de escrever tamanhas belezas, nem sua alma é capaz de abrigar tamanha luz como a revelada a ele.

 

O Voo do Gênio, de Castro Alves

À ATRIZ EUGÊNIA CÂMARA

Um dia, em que na terra a sós vagava
Pela estrada sombria da existência,
Sem rosas — nos vergéis da adolescência,
Sem luz destrela — pelo céu do amor;
Senti as asas de um arcanjo errante
Roçar-me brandamente pela fronte,
Como o cisne, que adeja sobre a fonte,
As vezes toca a solitária flor.

E disse então: “Quem és, pálido arcanjo!
Tu, que o poeta vens erguer do pego?
Eras acaso tu, que Milton cego
Ouvia em sua noite erma de sol?
Quem és tu? Quem és tu?” — “Eu sou o gênio”,
Disse-me o anjo “vem seguir-me o passo,
Quero contigo me arrojar no espaço,
Onde tenho por croas o arrebol”.

“Onde me levas, pois?.. . ” — “Longe te levo
Ao país do ideal, terra das flores,
Onde a brisa do céu tem mais amores
E a fantasia — lagos mais azuis. . . ”
E fui… e fui… ergui-me no infinito,
Lá onde o vôo dáguia não se eleva…
Abaixo — via a terra — abismo em treva!
Acima — o firmamento — abismo em luz!

“Arcanjo! arcanjo! que ridente sonho!”
— “Não, poeta, é o vedado paraíso,
Onde os lírios mimosos do sorriso
Eu abro em todo o seio, que chorou,
Onde a loura comédia canta alegre,
Onde eu tenho o condão de um gênio infindo,
Que a sombra de Molière vem sorrindo
Beijar na fronte, que o Senhor beijou. . . ”

“Onde me levas mais, anjo divino?”
— “Vem ouvir, sobre as harpas inspiradas,
O canto das esferas namoradas,
Quando eu encho de amor o azul dos céus.
Quero levar-te das paixões nos mares.
Quero levar-te a dédalos profundos,
Onde refervem sóis… e céus… e mundos…
Mais sóis… mais mundos, e onde tudo é rneu…

“Mulher! mulher! Aqui tudo é volúpia:
A brisa morna, a sombra do arvoredo,
A linfa clara, que murmura a medo,
A luz que abraça a flor e o céu ao mar.
Ó princesa, a razão já se me perde,
És a sereia da encantada Sila.
Anjo, que transformaste-te em Dalila,
Sansão de novo te quisera amar!

“Porém não paras neste vôo errante!
A que outros mundos elevar-me tentas?
Já não sinto o soprar de auras sedentas,
Nem bebo a taça de um fogoso amor.
Sinto que rolo em báratros profundos…
Já não tens asas, águia da Tessália,
Maldições sobre ti… tu és Onfália,
Ninguém te ergue das trevas e do horror.

“Porém silêncio! No maldito abismo,
Onde caí contigo criminosa,
Canta uma voz, sentida e maviosa,
Que arrependida sobe a Jeová!
Perdão! Perdão! Senhor, pra quem soluça,
Talvez seja algum anjo peregrino…
… Mas não! inda eras tu, gênio divino,
Também sabes chorar, como Eloá!

“Não mais, ó serafim! suspende as asas!
Que, através das estrelas arrastado,
Meu ser arqueja louco, deslumbrado,
Sobre as constelações e os céus azuis.
Arcanjo! Arcanjo! basta… já contigo
Mergulhei das paixões nas vagas cérulas…
Mas nos meus dedos — já não cabem — pérolas —
Mas na minh’alma — já não cabe — luz!…

Pintura "A Queda de Ícaro", de Jacob Peter Gowy. Ilustrando o poema "O Voo do Gênio", de Castro Alves.
Pintura "A Queda de Ícaro", de Jacob Peter Gowy. Ilustrando o poema "O Voo do Gênio", de Castro Alves.
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Alexandre Garcia Peres

Criador do site Literatura Online e Redator, Editor e Analista de SEO com três anos de experiência. Formado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), com foco em literatura e TCC em Paulo Leminski. Fez um ano de especialização em Teoria da Literatura e sua maior área de interesse é a poesia brasileira, principalmente os poetas da segunda e terceira geração do romantismo.

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