Um dos mais famosos e bonitos poemas de Castro Alves, em “O Livro e a América” vemos uma homenagem ao continente americano, apresentado pelo eu-lírico como um símbolo de esperança e de um futuro melhor. Na primeira estrofe, vemos uma descrição de Deus, cansado de “outros rascunhos”, resolveu descobrir/retirar uma obra de arte de sua oficia: o continente Americano, iniciando uma nova fase no mundo.
No poema, Castro Alves também fala de uma coincidência: o século do descobrimento das Américas coincidiu com a invenção da imprensa, pelo alemão Johannes Gutenberg, tornando a impressão e a disseminação de livros muito mais fácil. O livro, simbolizando conhecimento e progresso, seria uma marca dessa nova etapa da humanidade que estava começando.
Não mais marchando com espadas ensanguentadas, não mais com a tirania feudal, nem templos feitos de ossos — ou seja, um progresso não mais como o do Velho Continente, a Europa (como o eu-lírico diz diretamente nos versos “Nem templos feitos de ossos/ nem gládios a cavar fossos/ são degraus do progredir”); em vez de gladiadores, teremos gênios; em vez de espadas nas mãos, teremos livros.
O Livro e a América, de Castro Alves
Talhado para as grandezas,
P′ra crescer, criar, subir,
O Novo Mundo nos músculos
Sente a seiva do porvir.
— Estatuário de colossos —
Cansado d′outros esboços
Disse um dia Jeová:
“Vai, Colombo, abre a cortina
Da minha eterna oficina…
Tira a América de lá.”
Molhado inda do diluvio,
Qual Tritão descomunal,
O continente desperta
No concerto universal.
Dos oceanos em tropa
Um — traz-lhe as artes da Europa,
Outro — as bagas de Ceylão…
E os Andes petrificados,
Como braços levantados,
Lhe apontam para a amplidão.
Olhando em torno então brada:
“Tudo marcha!… Ó grande Deus!
As cataratas — p′ra terra,
As estrelas — para os ecos.
Lá, do polo sobre as plagas,
O seu rebanho de vagas
Vai o mar apascentar…
Eu quero marchar com os ventos,
Com os mundos… co′os firmamentos!!!”
E Deus responde — “Marchar!”
“Marchar!… Mas como?… Da Grécia
Nos dóricos Parthenons
A mil deuses levantando
Mil marmóreos Pantheons?..
Marchar co′a espada de Roma
— Leoa de ruiva coma
De presa enorme no chão,
Saciando o ódio profundo…
— Com as garras nas mãos do mundo,
— Com os dentes no coração?..”
“Marchar!.. Mas como a Alemanha
Na tirania feudal,
Levantando uma montanha
Em cada uma catedral?..
Não!.. Nem templos feitos de ossos,
Nem gládios a cavar fossos
São degraus do progredir…
Lá brada Cesar morrendo:
No pugilato tremendo
Quem sempre vence é o porvir!”
Filhos do sec′lo das luzes!
Filhos da Grande Nação!
Quando ante Deus vos mostrardes,
Tereis um livro na mão:
O livro — esse audaz guerreiro
Que conquista o mundo inteiro
Sem nunca ter Waterloo…
Eolo de pensamentos,
Que abrira a gruta dos ventos
Donde a Igualdade voou!
Por uma fatalidade,
Dessas que descem de além,
O sec′lo que viu Colombo,
Viu Guttenberg também.
Quando no tosco estaleiro
Da Alemanha o velho obreiro
A ave da imprensa gerou…
O Genovês salta os mares
Busca um ninho entre os palmares
E a pátria da imprensa achou.
Por isso na impaciencia
Desta sede de saber,
Como as aves do deserto —
As almas buscam beber…
Oh! Bendito o que semeia
Livros… livros a mão cheia…
E manda o povo pensar!
O livro caindo n′alma
É gérmen — que faz a palma,
É chuva — que faz o mar.
Vós, que o templo das ideias
Largo — abris às multidões,
P′ra o baptismo luminoso
Das grandes revoluções,
Agora que o trem de ferro
Acorda o tigre no cerro
E espanta os caboc′los nús,
Fazei desse “rei dos ventos”
— Ginete dos pensamentos,
— Arauto da grande luz!…
Bravo! a quem salva o futuro,
Fecundando a multidão!…
N′um poema amortalhada
Nunca morre uma nação.
Como Goëthe moribundo
Brada «Luz!» o Novo Mundo
N′um brado de Briareu..,
Luz! pois, no vale e na serra…
Que, se a luz rola na terra,
Deus colhe gênios no céu!…
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Outro poema bastante parecido de Castro Alves, que também coloca o continente americano como um guia para o restante do mundo, é “No ‘Meeting du Comitê du Pain‘”.