Em “O Gondoleiro do Amor”, de Castro Alves, vemos uma lindíssima exaltação da figura feminina, através de uma linguagem romântica e descritiva. A “Dama-Negra” a quem ele faz referência é provavelmente Eugênia Câmara, atriz portuguesa com quem ele teve um caso e dedicou diversos poemas, como Meu Segredo e Sonho de Bohemia.
O “gondoleiro” é quem dirige as “gôndolas”, pequenas embarcações a remo que navegam pelos canais da cidade italiana de Veneza. Tradicionalmente, os gondoleiros cantam uma “barcarola” enquanto remam, uma canção que lembra o ritmo da remada. Castro Alves compôs este poema justamente como uma barcarola, remetendo completamente a Veneza.
Há inúmeras metáforas de amor neste poema, como a comparação entre os olhos da mulher amada com as noites de luar e com o mar profundo; a voz é comparada à música, o sorriso uma aurora, o seio uma onda dourada. Sobre a voz dela especificamente, ele diz que ela é a “cavatina dos palácios de Sorrento”, remetendo à música construindo ainda mais uma atmosfera romântica e italiana
O Gondoleiro do Amor, de Castro Alves
BARCAROLA
DAMA-NEGRA
Teus olhos são negros, negros,
Como as noites sem luar…
São ardentes, são profundos,
Como o negrume do mar;
Sobre o barco dos amores,
Da vida boiando à flor,
Douram teus olhos a fronte
Do Gondoleiro do amor.
Tua voz é cavatina
Dos palácios de Sorrento,
Quando a praia beija a vaga,
Quando a vaga beija o vento.
E como em noites de Itália
Ama um canto o pescador,
Bebe a harmonia em teus cantos
O Gondoleiro do amor.
Teu sorriso é uma aurora
Que o horizonte enrubesceu,
— Rosa aberta com o biquinho
Das aves rubras do céu;
Nas tempestades da vida
Das rajadas no furor,
Foi-se a noite, tem auroras
O Gondoleiro do amor.
Teu seio é vaga dourada
Ao tíbio clarão da lua,
Que, ao murmúrio das volúpias,
Arqueja, palpita nua;
Como é doce, em pensamento,
Do teu colo no languor
Vogar, naufragar, perder-se
O Gondoleiro do amor!?
Teu amor na treva é — um astro,
No silêncio uma canção,
É brisa — nas calmarias,
É abrigo — no tufão;
Por isso eu te amo, querida
Quer no prazer, quer na dor…
Rosa! Canto! Sombra! Estrela!
Do Gondoleiro do amor.
Recife, janeiro de 1867.