Com dedicatória a Luiz C. Amoedo, possivelmente um amigo ou conhecido de Castro Alves (talvez “Luís Cornélio”, amigo que o acompanhou até a morte), este poema faz uma reflexão sobre a forma como a nudez é representada na arte.
Inicialmente (“nos tempos idos”), os corpos femininos eram retratados completamente sem roupa, como as estátuas de Vênus e Friné (figuras mitológicas gregas conhecidas, dentre outras coisas, por suas belezas exuberantes). Porém, um dia, o artista, “num momento de lucidez”, envolveu Aspásia (provavelmente a escultura romana “Busto de Aspásia”, de autoria desconhecida) em “gazas de pedra”, cobrindo suas partes íntimas.
Ao contrário do esperado, na visão do eu-lírico, esse ato de cobrir a nudez da estátua a tornou ainda mais atraente e provocativa. Com isso, surge a mensagem central do poema: a modéstia pode tornar algo ainda mais intrigante — como o espaço, que se esconde através da névoa, mesmo sendo infinito, como afirma o eu-lírico ao final do poema.
Lembrando que este poema foi escrito no século XIX, e debates relacionados à objetificação do corpo feminino ainda não tinham a mesma força que têm na atualidade.
No Álbum do Artista
Luís C. Amoedo
Nos tempos idos… O alabastro, o mármore
Reveste as formas desnuadas, mádidas
De Vênus ou Friné.
Nem um véu pra ocultar o seio trêmulo,
Nem um tirso a velar a coxa pálida…
O olhar não sonha… vê!
Um dia o artista, num momento lúcido,
Entre gazas de pedra a loura Aspásia
Amoroso envolveu.
Depois, surpreso! … viu-a inda mais lânguida…
Sonhou mais doido aquelas formas lúbricas…
Mais nuas sob um véu.
É o mistério do espírito… A modéstia
É dos talentos reis a santa púrpura…
Artista, és belo assim…
Este santo pudor é só dos gênios!—
Também o espaço esconde-se entre névoas…
E no entanto é… sem fim!