No camarote, de Castro Alves

De inspiração espanhola, como sugere a epígrafe, o poema “No Camarote”, de Castro Alves, faz um retrato de uma mulher misteriosa, inacessível ao poeta, que, “gélida e quieta”, em um camarote, está presa em seus próprios pensamentos, desconectada do mundo exterior, sem escutar a alegria e a cantoria do teatro em que está.

Descrita como um “arcanjo, uma deusa ou uma pálida madona”, o eu-lírico questiona quais seriam os seus pensamentos, levantando a hipótese de haver alguma vida ou paixão por trás deles. Ele até mesmo faz uma metáfora bastante bonita, comparando a mulher misteriosa e impassível a um vulcão adormecido (“petrina da montanha”, “Vesúvios”): assim como a rocha de um vulcão adormecido guarda a lava, a aparência calma e tranquila de uma mulher pode esconder paixões e emoções intensas.

O poema termina com o eu-lírico lamentando o fato de não ser ele o motivo de tanta introspecção e pensamentos, e expressa seu desejo de se envolver com ela.

No camarote, de Castro Alves

(Sobre motivos de espanhol)

NO CAMAROTE gélida e quieta
Por que imóvel assim cravas a vista?
És o sonho de neve de um poeta?
És a estátua de pedra de um artista?

Debalde cresce de harmonia o canto…
A Moça não o escuta, além perdida!
Que amuleto prendeu-a no quebranto?
Em que céu vai boiando aquela vida?

Onde se engolfa o cisne dessa mente?
Em que vagas azuis desce cantando?
Que bafagem, meu Deus! frouxa, dormente,
Lhe acalenta o cismar no alento brando?

— Arcanjo, deusa ou pálida madona —
Quem é, surpresa, a multidão pergunta…
E ao vê-la mais gentil que Desdemona
Como para rezar as mãos ajunta.

Odalisca talvez de haréns brilhantes,
Ela no lábio as multidões algema.
Talvez dest’alma nas visões errantes
Voa a pura miragem de um poema.

Nem um riso, entretanto, a flux luzindo
Aos delírios que esfolha a cavatina,
A boca rubra de improviso abrindo,
Esta fronte fatídica ilumina.

Pois naquela alma só se encontra neve?
Nada palpita nessa forma branca?
Pois não freme este mármore de leve?
Pois nem o canto esta friez lhe arranca?

Ai! Ninguém fie dessa calma estranha
— Êxtase santo de harmonias cheio
— Guarda a lava a petrina da montanha,
Guarda Vesúvios o palor de um seio.

Oh! ser a ideia dessa fronte pura,
Ser o desejo desse lábio quente,
Fora o meu sonho de ideal ventura,
Fora o delírio de minh’alma ardente.

Feliz quem possa na ansiedade louca
Esta bela mulher prender nos braços…
Beber o mel na rosa desta boca,
Beijar-lhe os pés… quando beijar-lhe os passos!

Pintura "Camarote" (La Loge), de Pierre-Auguste Renoir. Ilustrando o poema "No Camarote", de Castro Alves.
Pintura "Camarote" (La Loge), de Pierre-Auguste Renoir. Ilustrando o poema "No Camarote", de Castro Alves.
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Alexandre Garcia Peres

Criador do site Literatura Online e Redator, Editor e Analista de SEO com três anos de experiência. Formado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), com foco em literatura e TCC em Paulo Leminski. Fez um ano de especialização em Teoria da Literatura e sua maior área de interesse é a poesia brasileira, principalmente os poetas da segunda e terceira geração do romantismo.

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