No “Meeting du Comitê du Pain”, de Castro Alves

Em “No ‘Meeting du Comitê du Pain'”, poema de Castro Alves cujo título pode ser traduzido para algo como “No encontro do Comitê do Pão”, o eu-lírico faz uma espécie de homenagem ao continente americano, ao Novo Mundo. Esse é um tema recorrente na literatura de Castro Alves: a América surgindo para se tornar um novo guia à humanidade, resolvendo diversos problemas do Velho Mundo, tema também explorado, por exemplo, em O Livro e a América.

Esse poema é dividido em três partes: na primeira, vemos o eu-lírico descrevendo um mundo dominado pelo caos e pela desordem: o planeta parado em sua órbita, o amor transformado em ódio, a guerra superando a palavra.

Na segunda parte, ele dirige-se aos “filhos do Novo Mundo”, ou seja, aos habitantes do continente americano, que são convidados a se levantarem contra a opressão e a injustiça.

Na terceira e última parte, ele fala especificamente da França, que foi o centro cultural e intelectual do mundo por muitos anos, oferecendo “luz” ao mundo, e que agora deve se preparar para receber o “pão”, que será oferecido pelo continente americano, especialmente pelo Brasil. O pão, nesse caso, simboliza ajuda, apoio, conhecimento etc.

No “Meeting du Comitê du Pain”, de Castro Alves

JÁ QUE A TERRA estacou nórbita imensa,
Já que tudo mentiu — a glória! a crença!
A liberdade! a cruz!
E o Sísifo dos séclos — assombrado —
Viu rolar-lhe do dorso ensangüentado
O rochedo de luz…

Já que o amor transmudou-se em ódio acerbo,
Que a eloqüência — é o canhão, a bala — o verbo.
O ideal — o horror!
E nos fastos do século, os tiranos
Traçam coa ferradura dos ulanos
O ciclo do terror,

Já que, igual ao florete de Gennaro,
Um sabre arranca do presente ignaro
Este letreiro — Luz —,
Já que a Glória recua (cousa horrenda),
E Átila vai de Washington na senda,
E Sisa após Jesus!

Já que a Rousseau sucede Machiavelo,
Já que a Europa de altar fez-se escabelo,
Da guerra meretriz,
Já que o sonho de Canning era falso,
Já que após abolir-se o cadafalso,
Crucificam Paris.

Já que é mentira a voz da Humanidade,
Já que riscam da Bíblia a Caridade,
E d’alma o coração…
E a noite da descrença desce feia
E, tropeçando em ossos, cambaleia
Dos povos a razão! …

…………………………………….

Filhos do Novo Mundo! ergamos nós um grito
Que abafe dos canhões o horríssono rugir,
Em frente do oceano! em frente do infinito
Em nome do progresso! em nome do porvir.

Não deixemos, Hebreus, que a destra dos tiranos
Manche a arca ideal das nossas ilusões.
A herança do suor, vertido em dois mil anos,
Há de intacta chegar às novas gerações!

Nós, que somos a raça eleita do futuro,
O filho que o Senhor amou, qual Benjamim,
Que faremos de nós. . . se é tudo falso, impuro,
Se é mentira – o Progresso! e o Erro não tem fim?

Não; clamemos bem alto à Europa, ao globo inteiro!
Gritemos liberdade em face da opressão!
Ao tirano dizei: Tu és um carniceiro!
És o crime de bronze! — escreva-se ao canhão!

Falemos de Justiça — em frente à Mortandade!
Falemos do Direito — ao gládio que reluz!
Se eles dizem — Rancor, dizei — Fraternidade!
Se erguem a meia lua, ergamos nós a Cruz!

Digamos à Criança — O Mestre ama esta idade!
Digamos à Velhice: — Honra às vossas cãs! —
Digamos à Miséria, à Fome e à Orfandade:
É vosso o nosso lar… vós sois nossas irmãs.

Digamos a Strasburgo: “Mereces do Universo!”
Digamos… Não! Silêncio em frente de Paris…
O Amazonas que leve o nosso pranto imerso
À glória das Vestais! à herdeira das Judites.

………………………………………..

Ó França! deste a luz que de teu ser jorrava!
Ó França! acolhe agora em recompensa… o pão.
O Cristo no deserto os pães multiplicava,
Faça agora o milagre, ó França, o coração!

E, se acaso alta noite, em noite de invernada,
Enquanto no horizonte a chama lambe o ar,
Uma débil criança, esquálida e gelada,
Por ti, Pátria, encontrar abrigo, pão e lar…

Quando aquele inocente, a sós no campo I escuro,
Abençoar de longe os brasileiros céus
Sabe que este menino — é o símbolo do futuro!
E aquela frágil mão… oculta a mão de Deus…

Tema recorrente também no Espiritismo

Essa ideia (do Brasil como um novo farol para o mundo) também está presente no Espiritismo, como no livro “Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho”. Nele, é defendida a ideia de o Brasil ser uma espécie de “hospital espiritual”.

Além disso, em sua participação no programa Pinga-Fogo de 1971, o médium Chico Xavier também psicografou um poema, atribuído justamente ao espírito desencarnado de Castro Alves, onde essa tese também é defendida. Veja, no vídeo abaixo, o momento em que essa psicografia acontece:

Poema "A Liberdade Guiando o Povo", de Eugene Delacroix. Ilustrando o poema "No Meeting du Comitê du Pain", de Castro Alves.
Poema "A Liberdade Guiando o Povo", de Eugene Delacroix. Ilustrando o poema "No Meeting du Comitê du Pain", de Castro Alves.
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Alexandre Garcia Peres

Criador do site Literatura Online e Redator, Editor e Analista de SEO com três anos de experiência. Formado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), com foco em literatura e TCC em Paulo Leminski. Fez um ano de especialização em Teoria da Literatura e sua maior área de interesse é a poesia brasileira, principalmente os poetas da segunda e terceira geração do romantismo.

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