Mocidade e Morte, de Castro Alves

Em “Mocidade e Morte”, um dos mais bonitos e famosos poemas do poeta baiano Castro Alves, o eu-lírico lamenta a sensação que o acompanha de que ele morrerá jovem, apesar de saber que teria um futuro brilhante se vivesse.

Ele expressa sua vontade de continuar vivo, de conhecer todos os perfumes e viver todas as experiências da vida, do amor e da natureza. Ele até mesmo compara sua própria alma ora a um cisne, desejando boiar logo virgem que é o seio da amante, ora a uma pomba, desejando voar pela imensidão do mundo, em liberdade.

Um detalhe bastante interessante desse poema é que ele se se desenvolve numa espécie de diálogo: de um lado o eu-lírico, falando das vontades ainda a realizar e do medo de morrer jovem, e do outro uma voz sombria, que o lembra constantemente de que ele morrerá cedo, com seu medo maior se concretizando. O poema ganha uma complexidade ainda mais ao lembrarmos que Castro Alves morreu com apenas 24 anos.

No final, o eu-lírico aceita a ideia de que não conseguirá escapar do fio do destino e morrerá, despedindo-se de sua amante e todas as experiências que não vivenciará em vida. Restará, para ele, a terra como teto e o túmulo como amor, sem nenhuma glória.

Mocidade e Morte, de Castro Alves

E perto avisto o porto
Imenso, nebuloso, e sempre noite,
Chamado — Eternidade!
LAURINDO

Lasciate ogni speranza, voi ch’entrate.
DANTE

Oh! Eu quero viver, beber perfumes
Na flor silvestre, que embalsama os ares;
Ver minh’alma adejar pelo infinito,
Qual branca vela n’amplidão dos mares.
No seio da mulher há tanto aroma…
Nos seus beijos de fogo há tanta vida…
— Árabe errante, vou dormir à tarde
À sombra fresca da palmeira erguida.

Mas uma voz responde-me sombria:
Terás o sono sob a lájea fria.

Morrer… quando este mundo é um paraíso,
E a alma um cisne de douradas plumas:
Não! o seio da amante é um lago virgem…
Quero boiar à tona das espumas.
Vem! formosa mulher — camélia pálida,
Que banharam de pranto as alvoradas.
Minh’alma é a borboleta, que espaneja
O pó das asas lúcidas, douradas…

E a mesma voz repete-me terrível,
Com gargalhar sarcástico: — impossível!
Eu sinto em mim o borbulhar do gênio.
Vejo além um futuro radiante:
Avante! — brada-me o talento n’alma

E o eco ao longe me repete — avante! —
o futuro… o futuro… no seu seio…
Entre louros e bênçãos dorme a glória!
Após — um nome do universo n’alma,
Um nome escrito no Panteon da história.

(…)

Morrer — é ver extinto dentre as névoas
O fanal, que nos guia na tormenta:
Condenado — escutar dobres de sino,
— Voz da morte, que a morte lhe lamenta —
Ai! morrer — é trocar astros por círios,
Leito macio por esquife imundo,
Trocar os beijos da mulher — no visco
Da larva errante no sepulcro fundo.

(…)

E eu morro, ó Deus! na aurora da existência,
Quando a sede e o desejo em nós palpita…
Levei aos lábios o dourado pomo,
Mordi no fruto podre do Asfaltita.
No triclínio da vida — novo Tântalo —
O vinho do viver ante mim passa…
Sou dos convivas da legenda Hebraica,
O ‘stilete de Deus quebra-me a taça.

É que até minha sombra é inexorável,
Morrer! morrer! soluça-me implacável.

Adeus, pálida amante dos meus sonhos!
Adeus, vida! Adeus, glória! amor! anelos!
Escuta, minha irmã, cuidosa enxuga
Os prantos de meu pai nos teus cabelos.
Fora louco esperar! fria rajada
Sinto que do viver me extingue a lampa…
Resta-me agora por futuro — a terra,
Por glória — nada, por amor — a campa.

Adeus! arrasta-me uma voz sombria
Já me foge a razão na noite fria!…

1864.

____

Se você gostou desse poema, também gostará desse outro de Castro Alves: Immensis orbibus anguis, que também explora o sentimento de um eu-lírico amargurado com a possibilidade de morrer jovem.

Escultura "O Beijo da Morte", de Jaume Barba. Ilustrando o poema "Mocidade e Morte", de Castro Alves.
Escultura "O Beijo da Morte", de Jaume Barba. Ilustrando o poema "Mocidade e Morte", de Castro Alves.

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