Horas de Saudade, de Castro Alves

No poema de Castro Alves “Horas de Saudade”, assim como em “Horas de Martírio“, o eu-lírico expressa um profundo sentimento de saudade por sua amada. Tudo ao seu redor parece gritar que sua amada já não está mais com ele: a almofada, onde ela havia deitado e que ainda tem seu perfume; o piano, que já não mais é tocado; e até o sino da igreja, que parece tocar por ela.

Sem ela, a vida do poeta é mais triste, solitária e até mesmo lúgubre. O tempo passa mais devagar, e com ele aumenta o sentimento de tristeza irremediável do saudoso eu-lírico.

Horas de Saudade, de Castro Alves

TUDO VEM me lembrar que tu fugiste,
Tudo que me rodeia de ti fala.
Inda a almofada, em que pousaste a fronte
O teu perfume predileto exala
No piano saudoso, à tua espera,
Dormem sono de morte as harmonias.
E a valsa entreaberta mostra a frase
A doce frase qu’inda há pouco lias.
As horas passam longas, sonolentas…
Desce a tarde no carro vaporoso…
D’Ave-Maria o sino, que soluça,
É por ti que soluça mais queixoso.
E não vens te sentar perto, bem perto
Nem derramas ao vento da tardinha,
A caçoula de notas rutilantes
Que tua alma entornava sobre a minha.
E, quando uma tristeza irresistível
Mais fundo cava-me um abismo n’alma,
Como a harpa de Davi teu riso santo
Meu acerbo sofrer já não acalma.
É que tudo me lembra que fugiste.
Tudo que me rodeia de ti fala…
Como o cristal da essência do oriente
Mesmo vazio a sândalo trescala.
No ramo curvo o ninho abandonado
Relembra o pipilar do passarinho.
Foi-se a festa de amores e de afagos…
Eras — ave do céu… minh’alma — o ninho!
Por onde trilhas — um perfume expande-se.
Há ritmo e cadência no teu passo!
És como a estrela, que transpondo as sombras,
Deixa um rastro de luz no azul do espaço …
E teu rastro de amor guarda minh’alma,
Estrela que fugiste aos meus anelos!
Que levaste-me a vida entrelaçada
Na sombra sideral de teus cabelos! …
Pintura "Starry Night", de Jean François Millet. Ilustrando o poema "Horas de Saudade", de Castro Alves.
Pintura "Starry Night", de Jean François Millet. Ilustrando o poema "Horas de Saudade", de Castro Alves.

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