Em “Estrada a Fora”, de Auta de Souza, vemos uma reflexão sobre as dualidades da vida, do ser e da existência, como saudade e esperança, juventude e maturidade.
Estrada a Fora, de Auta de Souza
Ela passou por mim toda de preto,
Pela mão conduzindo uma criança…
E eu cuidei ver ali uma esperança
E uma Saudade em pálido dueto.
Pois, quando a perda de um sagrado afeto
De lastimar esta mulher não cansa,
N’uma alegria descuidosa e mansa,
Passa a criança, o beija-flor inquieto.
Também na Vida o gozo e a desventura
Caminham sempre unidos, de mãos dadas,
E o berço, às vezes, leva à sepultura…
No coração, – um horto de martírios! –
Brotam sem fim as ilusões douradas,
Como nas campas desabrocham lírios.
Análise do poema “Estrada a Fora”
A personagem central de Estrada a Fora é uma mulher toda de preto, o que sugere luto, reforçado pelas sensações que a acompanham: esperança e saudade. Ela conduz uma criança pela mão, o que pode representar a continuidade da vida mesmo diante da dor da perda, como se a esperança se materializasse na inocência da juventude que segue seu caminho.
Ambas as personagens são pálidas, o que reforça a melancolia e a delicadeza da convivência entre a memória do que se foi e a promessa do que está por vir.
A criança, em sua “alegria descuidosa e mansa”, é um contraponto à presença da mulher, espelhando a dualidade entre a vivacidade da juventude e a profundidade da dor adulta.
A terceira estrofe do soneto expande a reflexão para a própria essência humana, onde “gozo e desventura” – ou prazer e desgraça – existem, juntos, como parceiros inseparáveis.
Esse contraste é apresentado de forma que uma experiência completamente alegre, como o nascimento de um bebê, simbolizado pelo “berço”, pode, de forma inesperada e trágica, conduzir à morte ou à “sepultura”. Estamos diante da vulnerabilidade da condição humana.
Por fim, a poetisa conclui com uma metáfora entre o coração e um “horto de martírios”: os sofrimentos e desejos – “ilusões douradas” – da vida nascem sem parar, assim como os lírios crescem sobre as campas.
Os lírios, a propósito, são associados à pureza e à ressurreição, o que sugere uma renovação constante da vida por meio da dor, em uma visão cíclica e, de certa forma, otimista em meio ao sofrimento inevitável.