Coup d’Étrier, de Castro Alves

Em “Coup d’Étrier”, de Castro Alves, vemos a representação de um processo que vai desde uma despedida, passando por uma viagem, até uma reconciliação com a natureza. O título do poema, em francês, pode ser traduzido para algo como “ajuda para montar”, fazendo referência ao ato de montar em um cavalo, simbolizando justamente o início de uma despedida ou de uma viagem transformadora.

Depois da rápida partida na primeira estrofe e da despedida na segunda, o eu-lírico começa a lamentar o tempo que perdeu na vida na cidade (“As horas que eu vaguei louco, perdido, das cidades no tétrico delírio“), citando nomes famosos da literatura, como Alfred de Musset (poeta francês conhecido pela vida boêmia) e Thomas Chatterton (poeta inglês que, após não conseguir sucesso literário, suicidou-se aos 17 anos). Os dois nomes são mencionados como exemplos do que a pressão da vida na cidade pode causar até mesmos nos mais geniais.

Pelo restante do poema, o eu-lírico passa a fazer uma espécie de saudação à natureza, que se abre diante dele, com a vida urbana ficando para trás. Lá ele encontra renovação, refúgio e tratamento para as “feridas” que ganhou enquanto estava na cidade. O poema termina justamente com ele pedindo para que, caso ele venha a morrer, seu corpo seja enterrado na selva, com uma cruz de madeira improvisada.

Coup d’Étrier, de Castro Alves

É preciso partir! Já na calçada
Retinem as esporas do arrieiro;
Da mula a ferradura tacheada
Impaciente chama o cavaleiro;
A espaços ensaiando uma toada
Sincha as bestas o lépido tropeiro…
Soa a celeuma alegre da partida,
O pajem firma o loro e empunha a brida.

Já do largo deserto o sopro quente
Mergulha perfumado em meus cabelos.
Ouço das selvas a canção cadente
Segredando-me incógnitos anelos.
A voz dos servos pitoresca, ardente
Fala de amores férvidos, singelos…
Adeus! Na folha rota de meu fado
Traço ainda um — adeus — ao meu passado.

Um adeus! E depois morra no olvido
Minha história de luto e de martírio,
As horas que eu vaguei louco, perdido
Das cidades no tétrico delírio;
Onde em pântano turvo, apodrecido
D’íntimas flores não rebenta um lírio…
E no drama das noites do prostíbulo
É mártir — alma… a saturnal — patíbulo!

Onde o Gênio sucumbe na asfixia
Em meio à turba alvar e zombadora;
Onde Musset suicida-se na orgia,
E Chatterton na fome aterradora!
Onde, à luz de uma lâmpada sombrio,
O Anjo-da-Guarda ajoelhado chora,
Enquanto a cortesã lhe apanha os prantos
P’ra realce dos lúbricos encantos!…

Abre-me o seio, ó Madre Natureza!
Regaços da floresta americana,
Acalenta-me a mádida tristeza
Que da vaga das turbas espadana.
Troca dest’alma a fria morbideza
Nessa ubérrima seiva soberana!…
O Pródigo… do lar procura o trilho…
Natureza! Eu voltei… e eu sou teu filho!

Novo alento selvagem, grandioso
Trema nas cordas desta frouxa lira.
Dá-me um plectro bizarro e majestoso,
Alto como os ramais da sicupira.
Cante meu gênio o dédalo assombroso
Da floresta que ruge e que suspira,
Onde a víbora lambe a parasita…
E a onça fula o dorso pardo agita!

Onde em cálix de flor imaginária
A cobra de coral rola no orvalho,
E o vento leva a um tempo o canto vário
D’araponga e da serpe de chocalho…
Onde a so’idão é o magno estradivário…
Onde há músc’los em fúria em cada galho,
E as raízes se torcem quais serpentes…
E os monstros jazem no ervaçal dormentes.
E se eu devo expirar… se a fibra morta

Reviver já não pode a tanto alento…
Companheiro! Uma cruz na selva corta
E planta-a no meu tosco monumento!…
Da chapada nos ermos… (o qu’importa?)
Melhor o inverno chora… e geme o vento.
E Deus para o poeta o céu desata
Semeado de lágrimas de prata!…

Curralinho, 1 de junho de 1870.

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Você também pode gostar: em “Noite de Maio”, também de Castro Alves, há uma belíssima ode/homenagem dedicada à beleza natural das noites do mês de maio.

Pintura "Horsewoman", de Edouard Manet. Ilustrando o poema "Ooup d'Etrier", de Castro Alves.
Pintura "Horsewoman", de Edouard Manet. Ilustrando o poema "Ooup d'Etrier", de Castro Alves.
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Alexandre Garcia Peres

Criador do site Literatura Online e Redator, Editor e Analista de SEO com três anos de experiência. Formado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), com foco em literatura e TCC em Paulo Leminski. Fez um ano de especialização em Teoria da Literatura e sua maior área de interesse é a poesia brasileira, principalmente os poetas da segunda e terceira geração do romantismo.

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2 Responses

  1. Nicolli Brazilian disse:

    Parabéns pelos comentários aos poemas de Castro Alves. Li o seu texto sobre o Sub Tegmine Fati. Como estou na leitura de Espumas Flutuantes, vou recorrer ao seu site para saber mais sobre essas espuminhas que me fazem flutuar.

    • Avatar photo Alexandre Garcia Peres disse:

      Que bom que gostou Nicolli! Infelizmente não tenho tido muito tempo para atualizá-lo, mas pretendo retornar em breve. Agradeço o comentário 🙂

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