Caminho do Sertão, de Auta de Souza – Análise

Escancarando a porta da saudade e moldando a paisagem nordestina, Auta de Souza imortaliza um diálogo pleno de ternura e melancolia em seu poema “Caminho do Sertão”. O caminho descrito por Souza, permeado por sombras e estrelas, desenha não apenas um mapa geográfico, mas também uma rota sentimental em que a natureza abraça dois corações errantes na vastidão do sertão.

“Caminho do Sertão”, de Auta de Souza

Tão longe a casa! Nem sequer alcanço
Vê-la através da mata. Nos caminhos
A sombra desce; e, sem achar descanso,
Vamos nós dois, meu pobre irmão, sozinhos!

É noite já. Como em feliz remanso,
Dormem as aves nos pequenos ninhos…
Vamos mais devagar… de manso e manso,
Para não assustar os passarinhos.

Brilham estrelas. Todo o céu parece
Rezar de joelhos a chorosa prece
Que a Noite ensina ao desespero e a dor…

Ao longe, a Lua vem dourando a treva…
Turíbulo imenso para Deus eleva
O incenso agreste da jurema em flor.

Análise do poema “Caminho do Sertão”

Auta de Souza nos transporta para um caminho de regresso ao lar que se encontra distante, contando-nos a jornada de dois irmãos envoltos pela penumbra do fim do dia. A percepção de distância é amplificada pela incapacidade de “alcançar” a visão da casa, sugerindo uma profunda nostalgia que se estende além do espaço físico, entrando no terreno das memórias e da afetividade perdida.

A chegada da noite evoca uma atmosfera de serenidade, contraposta à inquietação inicial. Este momento de transição do dia para a escuridão é suavizado pelo ritmo “de manso e manso”, uma afirmação do cuidado fraterno dos viajantes em não perturbar a paz dos pássaros adormecidos. O gesto de não assustar os passarinhos é uma delicada metáfora da consciência dos próprios movimentos e da interação respeitosa com o ambiente.

Os elementos celestiais, estrelas e Lua, são mais do que simples componentes da paisagem; são entidades participativas na cena poética. Enquanto as estrelas brilham, o céu é personificado em uma atitude de oração, abraçando o silêncio que “ensina ao desespero e a dor”. Essa celebração de fé e tristeza é um reflexo da própria alma que busca conforto.

Finalmente, a Lua, apresentada como fonte de luz no meio das trevas, é descrita como um turíbulo, objeto usado em rituais religiosos para emanar incenso. A jurema em flor, referência à flora da região, exala sua essência como um ato de oferta divina, simbolizando a resistência e a beleza brotando das adversidades do sertão.

Caminho do Sertão, de Auta de Souza - Análise
Imagem criada via Canva
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Alexandre Garcia Peres

Criador do site Literatura Online e Redator, Editor e Analista de SEO com três anos de experiência. Formado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), com foco em literatura e TCC em Paulo Leminski. Fez um ano de especialização em Teoria da Literatura e sua maior área de interesse é a poesia brasileira, principalmente os poetas da segunda e terceira geração do romantismo.

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