Auta de Souza contempla os limites entre o dia e a noite em “Ao Cair da Noite”, poema que retrata com serenidade e beleza o Crepúsculo, abordando temas como paz, memória e transcendência espiritual.
Ao cair da Noite, de Auta de Souza
Não sei que paz imensa
Envolve a Natureza,
N’ess’hora de tristeza,
De dor e de pesar.
Minh’alma, rindo, pensa
Que a sombra é um grande véu
Que a Virgem traz do Céu
Num raio de luar.
Eu junto as mãos, serena,
A murmurar contrita,
A saudação bendita
Do Anjo do Senhor;
Enquanto a lua plena
No azul, formosa e casta,
Um longo manto arrasta
De lúrido esplendor.
Minhas saudades todas
Se vão mudando em astros…
A mágoa vai de rastros
Morrer na escuridão…
As amarguras doidas
Fogem como um lamento
Longe do Pensamento,
Longe do Coração.
E a noite desce, desce
Como um sorriso doce,
Que em sonhos desfolhou-se
Na voz cheia de amor,
Da mãe que ensina a Prece
Ao filho pequenino,
De olhar meigo e divino
E lábio aberto em flor.
Ah! como a Noite encanta!
Parece um Santuário,
Com o lindo lampadário
De estrelas que ela tem!
Recorda-me a luz santa,
Imaculada e pura,
Da grande noite escura
Do olhar de minha mãe!
Ó noite embalsamada
De castas ambrósias…
No mar das harmonias
Meu ser deixa boiar.
Afasta, ó noite amada,
A dúvida e o receio,
Embala-me no seio
E deixa-me sonhar!
Análise do poema Ao Cair da Noite, de Auta de Souza
“Ao Cair da Noite”, de Auta de Souza, é um poema transmite tranquilidade e introspecção. Auta de Souza usa a noite como uma metáfora para explorar temas de paz, saudade e conexão espiritual.
Logo na primeira estrofe, a poetisa estabelece o tom contemplativo da obra: “Não sei que paz imensa / Envolve a Natureza, / N’ess’hora de tristeza, / De dor e de pesar.” Aqui, Auta de Souza faz um constaste entre a dor e a tristeza do dia com a paz que a noite traz, sugerindo que a escuridão noturna atua como um véu de calma e proteção.
A lua é apresentada como um símbolo de pureza e serenidade na segunda estrofe: “Enquanto a lua plena / No azul, formosa e casta, / Um longo manto arrasta / De lúrido esplendor.” A imagem da lua, arrastando um manto de esplendor, ressalta justamente a majestade e a beleza do cenário noturno.
A poetisa também aborda a transformação da dor em algo mais sublime: “Minhas saudades todas / Se vão mudando em astros… / A mágoa vai de rastros / Morrer na escuridão…” A saudade vira estrelas, e a mágoa vira escuridão, em uma transcendência espiritual, onde sentimentos negativos vão desaparecendo conforme surge a paz e calma da noite.
Além disso, a metáfora maternal é explorada na quarta estrofe: “Da mãe que ensina a Prece / Ao filho pequenino, / De olhar meigo e divino / E lábio aberto em flor.” A noite é comparada a uma mãe amorosa, que ensina seu filho a rezar e traz um tom de ternura e proteção, reforçando a ideia de que a noite é um momento de acolhimento e carinho, ao contrário do dia.
A visão da noite como um santuário é evocada na quinta estrofe: “Ah! como a Noite encanta! / Parece um Santuário, / Com o lindo lampadário / De estrelas que ela tem!” Esta imagem de um santuário estrelado contribui para a atmosfera sagrada e tranquila que permeia o poema.
Por fim, na última estrofe, a poetisa entrega-se completamente à serenidade da noite: “Ó noite embalsamada / De castas ambrósias… / No mar das harmonias / Meu ser deixa boiar.” O eu-lírico termina o poema com um pedido à noite: que ela afaste as dúvidas e os receios, embalando seu ser e permitir-lhe sonhar.