“De Joelhos”, de Auta de Souza, é um poema que fala da busca por refúgio e consolo na fé, em meio a dores e saudades que afligem a alma.
“De Joelhos”, de Auta de Souza
Ajoelhada, ó minh’alma, abraçando o madeiro
Em que morreu Jesus, o teu celeste amigo!
A seus pés acharás o pouso derradeiro,
O derradeiro amparo, o derradeiro abrigo.
Ajoelha e soluça… A noite, mãe piedosa,
Te aperta contra o seio e te ensina a rezar…
Balbucia a oração, pequenina e formosa,
Das estrelas no céu e das ondas no Mar.
Ajoelha e soluça, implorando a alegria
Que a saudade sem fim do coração te arranca,
E a graça de viver, como a Virgem Maria,
Eternamente pura, eternamente branca.
Ajoelha e repete a prece imaculada
Que aprendeste a rezar no tempo de criança;
Deixa a prece subir como uma ária encantada
Se evolando da terra ao País da Esperança.
Ajoelha e soluça… A dúvida, que importa?
Ninguém poderá rir ante uma dor tamanha…
Todos beijam a Cruz, toda a descrença é morta
Quando se chega ao pé da sagrada montanha.
De joelhos, minh’alma, ao pé do lenho santo
Em que sofre Jesus a derradeira pena!
Deixa cair-lhe aos pés em gotas o teu pranto…
Que as enxugue no Céu a doce Madalena!
Ajoelha e soluça, implorando a alegria
Que a saudade sem fim do coração te arranca,
E a graça de viver, como a Virgem Maria,
Eternamente pura, eternamente branca…
Serra da Raiz – 2 – 1898.
Análise do poema “De Joelhos
O poema “De Joelhos”, da poetisa Auta de Souza, revela uma profunda conexão com a espiritualidade e a busca por conforto na fé cristã. Ele é uma convocação a se entregar à devoção como forma de encontrar paz e alívio diante das adversidades, das dores e dos problemas da vida.
Vemos a alma sendo convidada a ajoelhar-se, em submissão e súplica. A imagem do “madeiro“, referência à cruz de Cristo, é um símbolo de salvação e amparo final para todos os males e dores, indicando que é no sofrimento que muitas vezes as pessoas encontram um ponto de ligação com o divino.
A repetição do verbo “ajoelhar” e “soluçar” enfatiza a necessidade de a alma humilde reconhecer a sua pequenez diante do cosmos, simbolizado pelas “estrelas no céu e das ondas no Mar”.
Há um processo de aprendizado contínuo em que a noite, personificada como “mãe piedosa”, ensina a rezar, ou seja, a educar a alma em sua jornada espiritual, um ato tanto natural quanto divino.
A saudade, elemento central do poema, surge como um sentimento devastador, mas também como um impulso para buscar a pureza e a graça, simbolizada pela figura de “Virgem Maria” — um ideal de pureza e santidade ao qual a alma aspira em meio ao seu sofrimento. A pureza é então associada a um estado de graça espiritual, possivelmente inatingível, mas ainda assim desejado.
O convite para reviver as orações da infância sugere uma volta à inocência e à fé inquestionável de tempos mais simples, enquanto a prece que se eleva evoca uma ascensão espiritual, um desejo de transcendência.
Diante da dúvida e da descrença, o poema sugere que as dúvidas se dissipam diante do do sofrimento humano, o que leva ao entendimento de que a fé e a devoção são respostas humanas universais diante das adversidades.