Em “Rezas“, escrito pelo poeta brasileiro Castro Alves, há uma série de imagens e metáforas que nos levam a refletir sobre a grandiosidade da natureza e as diferentes formas de expressão religiosa. Através de uma linguagem poética marcante, Castro Alves cria uma atmosfera única que nos transporta para um mundo de emoções e divindades.
Rezas, de Castro Alves
Na hora em que a terra dorme
Enrolada em frios véus,
Eu ouço uma reza enorme
Enchendo o abismo dos céus…
Acendem-se os bentos círios
Dos vaga-lumes sutis!
“Ave!” murmuram os lírios,
“Ave!” dizem os covis!
Nos boqueirões há soluços…
Tem remorso o vendaval…
O mar se atira de bruços,
Coas barbas pelo areal.
As nuvens ajoelhadas
Nos claustros ermos e vãos,
Passam as contas doiradas
Das estrelas pelas mãos.
A açucena, por criança,
Junta os dedos… reza e ri!
A palmeira larga a trança…
Reza nua como a huri.
A ventania que emboca
Pela serra colossal
É o organista que toca
Nos sifões da catedral.
Que fanatismos divinos
Nas lapas do campo alvar!
Da onça os olhos felinos
Dizem rezas ao luar.
Há luzes fosforescentes
Acesas pelos marnéis…
São as larvas penitentes
Rezando pelos fiéis.
Monstro e anjo a noite grupa
No pedestal da oração…
Quem sabe se a catadupa
Bate nos peitos do chão?
Pelo cipó solitário
Gota a gota o orvalno cai
Como as bagas do rosário
De filha que chora o pai.
Reza tudo que tem boca
Cheia de graça ou terror…
O ninho — junto da toca!
A cratera ao pé da flor!
Só enquanto a reza enorme
Reboa pela amplidão…
Como Ló… o Homem dorme
No colo da criação!!!
Análise do poema “Rezas”
Neste poema, Castro Alves nos transporta para um momento especial, no qual a terra repousa sob “frios véus”. Ele descreve uma imensa reza que preenche o abismo dos céus, trazendo consigo uma atmosfera de reverência e conexão espiritual. A partir de uma série de metáforas e imagens, o poeta nos envolve em um ambiente de religiosidade e introspecção.
Os círios acesos pelos vaga-lumes sutis, os lírios e os covis murmurando “Ave!”, e o mar se prostrando com as barbas pelo areal são representações visuais da adoração e do respeito pela divindade. As nuvens, personificadas pelas mãos que passam as contas doiradas das estrelas, mostram a presença do sagrado mesmo nos lugares ermos e vãos.
A açucena e a palmeira, à sua maneira, se unem à oração. A ventania que emboca pela serra colossal é como um órgão tocando na catedral, enquanto os olhos felinos da onça murmuram rezas ao luar. As luzes fosforescentes acesas pelos marnéis são representações da penitência das larvas, que rezam pelos fiéis.
O poema também nos apresenta a dualidade entre o monstruoso e o angelical, reunidos no pedestal da oração. A catadupa, possivelmente uma referência a uma grande cachoeira, é descrita como batendo nos peitos do chão, talvez como uma forma de castigo divino ou de purificação. O orvalho que cai gota a gota pelo cipó solitário é comparado às bagas de um rosário, representando a tristeza de uma filha que chora a perda de seu pai.
O poema encerra com a ideia de que, enquanto a “reza enorme” ecoa pela amplidão, o Homem dorme como Ló, no colo da criação. Essa imagem remete à história bíblica de Ló, que foi salvo da destruição da cidade de Sodoma por Deus.
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