Em “Murmúrios da Tarde”, de Castro Alves, vemos um eu-lírico apaixonado e embriagado pela beleza tanto de um pôr-do-sol quanto da vista de sua amada, que perambula pelo jardim na transição do dia para a noite.
O poema começa com o eu-lírico descrevendo, em belíssimas metáforas, o entardecer. A beleza da visão é tanta que ele compara a natureza a um poema santo: a escuridão passa a sair de cada moita, a Lua e as estrelas aparecem no céu, e uma “harmonia” começa a ser tocada — o canto dos pássaros, o suspiro do lago, e diálogos entre as ondas e as flores.
No jardim aparece, então, Maria, a quem o eu-lírico volta sua atenção. Ele a compara a uma rosa, tanto em aparência quanto em fragrância. Ela também é retratada de maneira angelical e celestial, ampliando a sensação de anseio do poeta, uma das marcas do romantismo brasileiro.
Quando Maria se aproxima das flores do jardim, é como se as plantas pedissem para que ela as colhesse e as levasse de lá. Vendo e imaginando essa cena, o eu-lírico termina o poema murmurando, para si mesmo, “leva-me, leva-me, ó gentil Maria”, imitando as flores e enfatizando seu desejo.
Murmúrios da Tarde, de Castro Alves
Ontem à tarde, quando o sol morria,
A natureza era um poema santo,
De cada moita a escuridão saia,
De cada gruta rebentava um canto,
Ontem à tarde, quando o sol morria.
Do céu azul na profundeza escura
Brilhava a estrela, como um fruto louro,
E qual a foice, que no chão fulgura,
Mostrava a lua o semicirc’lo d’ouro,
Do céu azul na profundeza escura.
Larga harmonia embalsamava os ares!
Cantava o ninho – suspirava o lago…
E a verde pluma dos sutis palmares
Tinha das ondas o murmúrio vago…
Larga harmonia embalsamava os ares.
Era dos seres a harmonia imensa,
Vago concerto de saudade infinda!
“Sol – não me deixes”, diz a vaga extensa,
“Aura – não fujas”, diz a flor mais linda;
Era dos seres a harmonia imensa!
“Leva-me! leva-me em teu seio amigo”
Dizia às nuvens o choroso orvalho,
“Rola que foges”, diz o ninho antigo,
‘Leva-me ainda para um novo galho. ..
Leva-me! leva-me em teu seio amigo.”
“Dá-me inda um beijo, antes que a noite venha!
Inda um calor, antes que chegue o frio…”
E mais o musgo se conchega à penha
E mais à penha se conchega o rio…
“Dá-me inda um beijo, antes que a noite venha!
E tu no entanto no jardim vagavas,
Rosa de amor, celestial Maria…
Ai! como esquiva sobre o chão pisavas,
Ai! como alegre a tua boca ria…
E tu no entanto no jardim vagavas.
Eras a estrela transformada em virgem!
Eras um anjo, que se fez menina!
Tinhas das aves a celeste origem.
Tinhas da lua a palidez divina,
Eras a estrela transformada em virgem!
Flor! Tu chegaste de outra flor mais perto,
Que bela rosa! que fragrância meiga!
Dir-se-ia um riso no jardim aberto,
Dir-se-ia um beijo, que nasceu na veiga…
Flor! Tu chegaste de outra flor mais perto!. . .
E eu, que escutava o conversar das flores,
Ouvi que a rosa murmurava ardente:
“Colhe-me, ó virgem, – não terei mais dores,
Guarda-me, ó bela, no teu seio quente. . .”
E eu, que escutava o conversar das flores.
“Leva-me! leva-me, ó gentil Maria!”
Também então eu murmurei cismando…
Minh’alma é rosa, que a geada esfria…
Dá-lhe em teus seios um asilo brando…
“Leva-me! leva-me, ó gentil Maria!…”
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