Em “Meu Segredo”, longo poema lírico de Castro Alves, o eu-lírico fala sobre um profundo amor oculto e não-correspondido que sente. Esse é justamente o “segredo” do título, um segredo que provoca nele dor, angústia e melancolia.
Na primeira parte do poema, ele apresenta esse segredo, sem explicar qual é. Usa diversas metáforas remetendo à natureza, como o segredo sendo comparado a uma pérola do mar, guardada dentro de uma ostra. Também diz que só revela o seu segredo nos momentos de solidão e isolamento, contando-o ao luar e ao vento.
Na segunda parte ele fala do medo que sente de enfim revelar o segredo ao mundo, mas acaba nos dando algumas pistas. O segredo é um amor em segredo, um nome que fica em seus pensamentos à noite e que o faz rolar na cama, sem conseguir pregar os olhos.
Além disso, também fala da dor que sente por não ter esse amor correspondido e descreve sua “rainha” e a forma como ela desperta nele desejo e fascínio. Ao final, faz um único apelo: que sua amada ao menos lembre dele em seus momentos mais íntimos.
Curiosamente, este poema tem a seguinte dedicatória: “À senhora D”, sugerindo que Castro Alves o escreveu realmente para uma mulher por quem ele manteve um amor distante. Essa mulher em questão pode ser Eugênia Câmara, atriz portuguesa de quem o poeta baiano foi amante. Embora seu nome não comece com a letra D, ela já a chamou de “Dama Negra”, em referência aos seus cabelos escuros, no poema Sonho de Bohemia, dedicado a ela.
Meu Segredo, de Castro Alves
À senhora D.
I
EU TENHO dentro d’alma o meu segredo
Guardado como a pérola do mar;
Oculto ao mundo como a flor silvestre
Lá no vale escondida a vicejar.
Eu guardo-o no meu peito… É meu tesouro,
Meu único tesouro desta vida.
— Sonho da fantasia — flor efêmera
Uma nuvem, talvez, no céu perdida …
Mas que importa? É uma crença de minha alma
— Gota de orvalho d’alva da existência
Última flor, que vive aos raios mornos
Do sol de amor na quadra da inocência.
Só, quando a terra dorme solitária
E ergue-se à meia-noite, branca, a lua,
E a brisa geme cantos de tristeza
Na rama — do pinheiro — que flutua;
E quando — o orvalho pende do arvoredo
Que se debruça p’ra beijar o rio,
E as estrelas no céu cintilam lânguidas
— Pérolas soltas de um colar sem fio;
Então eu vou sentar-me sobre a relva,
Eu vou sonhar meus sonhos ao relento,
E só conto o segredo de minh’alma
Das horas mortas ao tristonho vento.
II
Eu sei como este mundo ri d’escárnio,
Deste aéreo sonhar da fantasia.
Eu sei P’ra cada crença de noss’alma,
Ele tem uma frase de ironia…
Ah! deixai-me guardar o meu segredo:
Deste riso cruel eu tenho medo…
Meu segredo? É o canto de poesia
Que suspirou saudoso o gondoleiro,
Que vai morrer gemente sobre as praias.
— Da despedida pranto derradeiro —
Mais aéreo que as vozes da sereia
— Alta noite — sentada sobre a areia.
Meu segredo? É o soluço d’alma triste
Que conta sua dor à brisa errante.
É o pulsar tresloucado de meu peito
A repetir um nome delirante.
Tímido anelar de edêneo gozo,
Castelo que eu criei vertiginoso.
Criei-o numa noite não dormida,
Após vê-la entre todas — a rainha;
Criei-o nestas horas de delírio
Em que sentira em fogo a fronte minha
E o sangue galopava-me nas veias
E o cérebro doía-me de idéias …
E quem na vida não amara um dia?
E nunca despertara ao som de um beijo?
Quem nunca na vigília empalecera,
Ao seguir co’o pensar louco desejo?
Quem não sonhara ao colo voluptuoso
Da sultana !ouçã morrer de gozo?
Uma noite tentei fechar as pálpebras,
Debalde revolvi-me sobre o leito…
A alma adejava em fantasias d’ouro,
Arfava ardente o coração no peito.
A imagem que eu seguia? É meu segredo!
Seu nome? Não o digo … tenho medo.
Ai! Dói muito calar dentro em nossa alma
Este anelar fremente de desejos! …
Ai! Dói muito calar o róseo sonho
Que sonhamos: dormir entre mil beijos
Num seio que de amor todo estremece,
Quando o olhar de volúpias esmorece…
Dói muito… mas dói mais uma ironia,
Quando adeja o pensar no firmamento,
Dói muito… mas dói mais um desengano,
Quando se vive só de um sentimento,
Quando o peito cifrou sua esperança
Em beijar da mulher a negra trança.
Que ventura! Aos teus lânguidos olhares,
Beber — louco de amor — seiba de vida…
Sorver perfume em teus cabelos negros,
Sentir a alma de si mesmo esquecida…
E de gozo de amar louco, sedento,
Viver a eternidade num momento!
Que ventura! Sorver co’os lábios trêmulos
Em teus lábios — de amor — o nome santo…
Que ventura! Fitar-te os negros olhos
Desmaiados de amor e de quebranto…
E reclinada a fronte no teu seio,
Sentir lânguido arfar em doce enleio…
Mas que louco sonhar… Ó minha amante,
Que nunca nos meus braços desmaiaste,
Que nem sequer de amor uma palavra
Dos meus lábios em fogo inda escutaste,
Perdoa este sonhar vertiginoso.
Foi um sonho do peito deliroso.
E, se um dia, entre as cismas de tua alma,
Minha imagem passar um só momento,
Fita meus olhos, vê como eles falam
Do amor que eu te votei no esquecimento:
Recorda-te do moço que em segredo
Fez-te a fada gentil de um sonho ledo…
Recorda-te do pobre que em silêncio
De ti fez o seu anjo de poesia.
Que tresnoitou cismando em tuas graças,
Que por ti, só por ti, é que vivia.
Que tremia ao roçar de teu vestido,
E que por ti de amor era perdido…
Sagra ao menos uma hora em tua vida
Ao pobre que sagrou-te a vida inteira,
Que em teus olhos, febril e delirante,
Bebeu de amor a inspiração primeira,
Mas que de um desengano teve medo,
E guardou dentro d’alma o seu segredo!