Ismália, de Alphonsus de Guimaraens – Poema Completo e Análise

O poema “Ismália”, do poeta simbolista Alphonsus de Guimaraens, explora de forma sensível e enigmática o desespero e a busca por transcendência de uma personagem que, em sua loucura, se perde entre céu e mar.

Nele, somos apresentados à história de Ismália, que, ao ver duas luas — uma no céu e outra refletida no mar — se enche de vontades conflitantes, entrando em uma luta interna entre o desejo de ascender e o impulso de se entregar ao abismo.

O poema é bastante simples, o que cria um contraste interessante com a profundidade do tema. Ele usa imagens de dualidade e transcendência, e sugere, ao fim, uma fusão entre corpo e alma — uma fuga trágica e libertadora.

XXXIII – Ismália, de Alphonsus de Guimaraens

Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar…
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.

No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar…
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar…

E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar…
Estava perto do céu,
Estava longe do mar…

E como um anjo pendeu
As asas para voar…
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar…

As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par…
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar…

Análise do poema “Ismália”, de Alphonsus de Guimaraens

“Ismália” é um poema que se destaca pela estrutura simples, mas com uma musicalidade envolvente e um simbolismo muito profundo.

Alphonsus de Guimaraens, poeta com uma verdadeira sensibilidade mística e fascinação com temas de morte e transcendência, criou nesse poema uma alegoria sobre o desejo de libertação e o conflito entre corpo e alma.

A personagem Ismália, ao ver a lua no céu e no mar, fica dividida entre dois mundos: o celestial, representado pelo céu, e o terreno, simbolizado pelo mar. Essa dualidade é explorada em todo o poema e carrega uma forte carga emocional e simbólica. Ela é associada à melancolia e à busca por algo além da realidade física.

O poema começa com a afirmação impactante: “Ismália enlouqueceu”. Desde o primeiro verso, o poeta já apresenta a protagonista em um estado de loucura, o que já nos causa uma ruptura com a lógica do mundo real. Essa insanidade inicial é acentuada pela escolha do local em que Ismália está: uma torre, um local mais alto que, no entanto, não a coloca nem totalmente no céu, nem totalmente no mar. Esse lugar “no meio”, intermediário, “purgatórico”, reflete muito bem a condição da personagem, que se perde entre o sonho e a realidade, entre o céu e o mar, entre a razão e a loucura.

Os versos “Queria subir ao céu, / Queria descer ao mar…” reforçam o desejo contrastante e antagônico de Ismália. Ela quer se fundir tanto com o sagrado quanto com o profano, representados pelo céu e pelo mar. Esse desejo por extremos muito diferentes, mas que se complementam, sugere que ela está insatisfeita com a existência limitada e terrena. Ela tem vontade de transcender. Podemos interpretar a imagem do luar, que “banha” Ismália, como um símbolo de iluminação espiritual e de loucura ao mesmo tempo. Sob a luz da lua, ela se enche de fantasias e se perde na imensidão de seus próprios desejos.

Ao longo do poema, Guimaraens constrói uma tensão crescente entre desejo e realidade. No verso “Estava perto do céu, / Estava longe do mar…”, ele ressalta ainda mais a condição de Ismália: ela se encontra fisicamente mais próxima do céu, mas ainda distanciada do mar. Esse impasse, de não saber conciliar seus desejos opostos, é marcado pela repetição do verbo “querer” e pela alternância entre as “luas” que ela vê. Por mais que tente, ela não consegue se satisfazer com apenas uma das luas, ou seja, com apenas uma parte de si mesma.

O desfecho do poema é trágico e definitivo: “Sua alma subiu ao céu, / Seu corpo desceu ao mar…”. Aqui, há uma separação entre corpo e alma, sendo o resultado dessa união paradoxal entre os desejos de Ismália. Ela buscava por um estado que não poderia ser alcançado em vida. A loucura, portanto, seria um meio para ir além das limitações da realidade, permitindo que ela se entregasse totalmente ao que ela é. O que resulta, ao mesmo tempo, em uma libertação e uma condenação.

A “alma” que sobe ao céu e o “corpo” são uma representação da tensão espiritual do poema e, ao mesmo tempo, remetem à visão muito comum entre os simbolistas de que a morte é uma fuga do sofrimento terreno.

Pintura Ophelia, de John Everett Millais, retratando uma jovem flutuando em um rio, cercada por plantas aquáticas e flores. A figura da jovem está sem vida, com expressão de serenidade, parcialmente submersa, vestida com um vestido ornamentado, com as mãos abertas, como se estivesse em paz. A cena é envolta por vegetação densa, que parece isolá-la do mundo exterior. Esse quadro evoca temas de tragédia, melancolia e fuga da realidade, associando-se ao poema "Ismália", de Alphonsus de Guimaraens, onde a protagonista, em um estado de desespero e loucura, também busca transcendência através do sacrifício de sua própria vida, dividindo-se entre céu e mar.
Pintura Ophelia, de John Everett Millais. Ilustrando o poema "Ismália", de Alphonsus de Guimaraes
Avatar photo

Alexandre Garcia Peres

Criador do site Literatura Online e Redator, Editor e Analista de SEO com três anos de experiência. Formado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), com foco em literatura e TCC em Paulo Leminski. Fez um ano de especialização em Teoria da Literatura e sua maior área de interesse é a poesia brasileira, principalmente os poetas da segunda e terceira geração do romantismo.

You may also like...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

O que se aprende no curso de Letras? 5 livros de Cozy Fantasy para escapar da realidade Os 7 Melhores Livros do Kindle Unlimited Teoria liga Anne Hathaway a William Shakespeare 5 obras da Literatura Gótica que você precisa conhecer