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Arte pela Arte: as reflexões de Paulo Leminski sobre a utilidade da arte

No estudo da arte, poucas questões geraram tanto debate quanto a essência e o objetivo da literatura, da poesia e da arte, em si.

As reflexões do poeta e escritor brasileiro Paulo Leminski em “Arte Inútil, Arte Livre”, ensaio presente na obra “Ensaios e Anseios crípticos”, dialogam com correntes de pensamento que surgiram durante a história e desafiam ideias estabelecidas.

As reflexões de Leminski em “Arte Inútil, Arte Livre?”

Arte pela Arte as reflexões de Paulo Leminski sobre a utilidade da arte

A arte, conforme ideias difundidas no século XIX pelo movimento romântico europeu, viveu uma inflexão ao consolidar o conceito de “arte pela arte” (muito caro para o Parnasianismo), quando o artista, segundo Leminski, se tornou um “desempregado crônico”, sem função social, com os avanços da Revolução Industrial. Afinal, “o mundo burguês é antiartístico”, e “a arte não precisa mais dele”. Algo ainda mais acentuado nos dias de hoje, com o avanço das inteligências artificiais.

Esse princípio de “arte pela arte” defendia a autonomia estética, libertando as expressões artísticas das obrigações morais ou educativas impostas na Idade Média, quando a arte tinha um duplo papel: “delectare” (agradar) e “docere” (instruir), obrigações que só passaram a perder esse propósito no Renascimento, quando o “delectare” passou a dominar com a valorização do “Belo”. Mas por pouco tempo, já que a contrarreforma, associando a Beleza a algo que deve “fazer a Verdade se gravar mais fundo no coração dos homens”.

O conceito de uma arte autônoma foi fortemente delineado por poetas franceses como Baudelaire e Mallarmé no século XIX, pós-Revolução Francesa, que argumentavam a favor de uma arte que existisse por si e para si mesma, sem nenhuma outra obrigação. Uma arte que não se preocupasse com o “não-artístico”,  “a moral”, “a política”, “a exaltação patriótica”, “a tradição nacional”, “o Bem”, “a Verdade”. A arte passa a ser aquilo que Leminski chama de “inutensílio, que não tem uma “utilidade” baseada em valores supostamente mais elevados.

Indo de encontro à visão romântica, Leminski reiterou o papel da arte do século XX como um gesto de contestação, confrontando a realidade presente. Ele defende que a literatura, principalmente a poesia, é o único tipo de arte que não virou mercadoria nas mãos do Capitalismo, já que faz uso da palavra, e a palavra é essencialmente política. Ele chega a afirmar no ensaio: “‘Poesia não vende’ é um dos mandamentos do Decálogo mínimo de qualquer editor sensato. Pois não vende mesmo”. Uma ideia que hoje talvez possa ser contestada, já que o seu Todo Poesia frequentemente aparece entre os mais vendidos da Amazon.

Sua ideia de negatividade não se limitava a uma postura meramente pessimista, mas sim como uma força crítica vital contra as correntes dominantes.

Liev Tolstói, em seu livro “O que é Arte” (1898), postulou uma crítica às vertentes modernas da arte, as quais ele percebeu como degeneradas. Em resposta, Leminski ponderou sobre as implicações dessas críticas e o debate contemporâneo que elas geraram. Segundo Leminski, a literatura russa, tanto do século XIX quanto na era soviética,  era uma literatura impregnada de um forte moralismo, resistindo às pressões de uma cultura cada vez mais mercantilizada.

Um outro olhar sobre este assunto veio de Theodor Adorno, figura chave da Escola de Frankfurt, que defendia uma síntese entre o distanciamento estético da “arte pela arte” e um compromisso ético e político de “viver revolucionariamente uma dada circunstância histórica“.

Adorno, em uma visão próxima da ideia da “arte como inutensílio”, via nela uma potencial resistência, algo que poderia se opor à transformação de tudo em mercadoria. Diz Leminski:

Para Adorno, a grandeza da arte está em sua capacidade de resistir ao estatuto de mercadoria, em situar-se no mundo como um ‘objeto não identificado’ Em sua recusa de assumir a forma universal da mercadoria, a arte, a obra de arte, é a manifestação em seus momentos mais puros e radicais, de uma ‘negatividade’. Ela é ‘a antítese da sociedade’. A antítese social da sociedade”.

Resumo dos pontos observados por Leminski:

  • A arte deve ser compreendida como autônoma, independente de finalidades educativas ou morais.
  • No século XIX, poetas como Baudelaire e Mallarmé formularam a doutrina da “arte pela arte”, libertando-a de compromissos externos.
  • Tolstói criticou a arte moderna por considerá-la degenerada, posição que gerou reflexões adicionais na crítica literária subsequente. A literatura russa historicamente manteve uma forte veia moral e uma postura resistente à comercialização excessiva da cultura.
  • Adorno propôs uma síntese entre a independência estética e o engajamento ético e político da arte como forma de resistência social.
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Alexandre Garcia Peres

Criador do site Literatura Online e Redator, Editor e Analista de SEO com três anos de experiência. Formado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), com foco em literatura e TCC em Paulo Leminski. Fez um ano de especialização em Teoria da Literatura e sua maior área de interesse é a poesia brasileira, principalmente os poetas da segunda e terceira geração do romantismo.

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