Em “Clarisse”, de Auta de Souza, vemos uma dualidade entre a inocência e a dor humana. O poema cria um diálogo entre o eu-lírico e a figura de Clarisse, cuja existência parece estar acima do sofrimento mundano.
“Clarisse”, de Auta de Souza
“Não sei o que é tristeza,” ela me disse…
E a sua boca virginal sorria:
Ninho de estrelas, concha de ambrosia
Cheia de rosas que do Céu caísse!
E eu docemente murmurei: Clarisse,
Será possível que tu’alma fria
Ouvindo o choro da Melancolia
O ressábio do fel nunca sentisse?
Será possível que o teu seio, rosa,
Nunca embalasse a lágrima formosa?
Ah! não és rosa, pois não tens espinho!
E os olhos teus, dois templos de esperança,
Nunca viram sofrer uma criança,
Nunca viram morrer um passarinho.
Análise do poema “Clarisse”
O poema apresenta uma estrutura lírica em que o eu-lírico se dirige diretamente a Clarisse, questionando sua aparente inabilidade com a tristeza.
A primeira estrofe desenha uma imagem de pureza e alegria, comparando a boca de Clarisse a um “Ninho de estrelas, concha de ambrosia”, sugerindo uma natureza quase divina. A ambrosia, alimento dos deuses na mitologia grega, e as estrelas entrelaçam-se para criar um retrato celestial.
Esta visão idílica é contestada nas estrofes seguintes. A poetisa, não convencido pela afirmação de Clarisse, questiona se ela verdadeiramente jamais experimentou a amargura da existência. A “Melancolia” e o “fel” representam sentimentos universais de desalento e desgosto. Este contraste amplia o questionamento sobre a condição humana e permite-nos refletir sobre a possibilidade de alguém ser totalmente imune ao sofrimento.
O uso simbólico da rosa em “Será possível que o teu seio, rosa,” tem vários significados. A rosa é tradicionalmente um emblema de beleza e de amor, mas também é conhecida pelos seus espinhos, que evocam a ideia de dor. O eu-lírico nega a Clarisse o aspecto espinhoso da rosa, negando-lhe, assim, a experiência da dor.
Por fim, os “olhos teus, dois templos de esperança,” remetem à pureza e à candura que nunca se depararam com as cenas de sofrimento e morte, tão comuns ao mundo real. Esta escolha imagética apoia a noção de que Clarisse está distante das dores do cotidiano.