Versos Íntimos, de Augusto dos Anjos – Análise

Em Versos Íntimos”, Augusto dos Anjos captura a essência do pessimismo e da desilusão humana. O poeta paraibano, conhecido pela visão sombria e realista da vida, explora temas como ingratidão, traição e a natureza bestial do ser humano. Um reflexo das angústias e incertezas da condição humana, abordando a inevitável decepção que acompanha as relações interpessoais.

Versos Íntimos, de Augusto dos Anjos

Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão — esta pantera —
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

Análise do poema Versos Íntimos, de Augusto dos Anjos

Augusto dos Anjos inicia “Versos Íntimos” com uma expressão de abandono e desilusão: “Vês! Ninguém assistiu ao formidável / Enterro de tua última quimera.” Aqui, ele aponta para o isolamento absoluto, onde os sonhos e esperanças (quimeras) do indivíduo morrem sem qualquer testemunha ou consolo. A imagem da quimera enterrada em silêncio é bastante forte, simbolizando a perda das ilusões e a solidão que acompanha essa perda.

A figura da “Ingratidão”, comparada a uma “pantera”, personifica tanto a traição quanto a indiferença humana, que se torna a única companhia fiel do eu lírico, como um animal de estimação. Essa comparação destaca a crueldade e a natureza das relações humanas, retratadas como predatórias, um tema recorrente no poema.

Já o verso “Acostuma-te à lama que te espera!” sugere uma aceitação forçada das condições degradantes da existência humana. O mundo passa a ser um lugar miserável, onde o homem, vivendo entre feras, é forçado a adotar comportamentos igualmente ferozes e bestiais. O ser humano se torna inevitavelmente corrompido e violento, uma crítica contundente de Augusto dos Anjos à sociedade e à natureza humana.

Nos versos seguintes, “Toma um fósforo. Acende teu cigarro! / O beijo, amigo, é a véspera do escarro,” há uma transição para uma linguagem mais direta e chocante. O ato cotidiano de acender um cigarro torna-se um momento de introspecção amarga, onde o beijo, símbolo de afeto e amizade, é apenas um prelúdio para a traição (escarro). As interações humanas são retratadas como hipócritas e falsas, nas quais gestos de carinho são introduções para atos de desprezo e maldade.

A conclusão do poema reforça toda esta visão amarga: “Se a alguém causa inda pena a tua chaga, / Apedreja essa mão vil que te afaga, / Escarra nessa boca que te beija!” Augusto dos Anjos aconselha uma reação de revolta contra a hipocrisia e a falsa compaixão. Ao invés de aceitar passivamente a duplicidade dos outros, o poeta sugere uma resposta ativa e agressiva, rejeitando as demonstrações superficiais de afeto que escondem intenções maliciosas.

Pintura "Saturno Devorando seus Filhos", de Goya. Ilustrando o poema Versos Íntimos, de Augusto dos Anjos
Pintura "Saturno Devorando seus Filhos", de Goya. Ilustrando o poema Versos Íntimos, de Augusto dos Anjos
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Alexandre Garcia Peres

Criador do site Literatura Online e Redator, Editor e Analista de SEO com três anos de experiência. Formado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), com foco em literatura e TCC em Paulo Leminski. Fez um ano de especialização em Teoria da Literatura e sua maior área de interesse é a poesia brasileira, principalmente os poetas da segunda e terceira geração do romantismo.

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