Poesia e Mendicidade, de Castro Alves – Análise

Em “Poesia e Mendicidade”, Castro Alves reflete sobre a dualidade de ser poeta, trazendo à tona a luta constante entre a busca por reconhecimento e a vulnerabilidade comum na expressão artística. Ele retrata a poesia como uma figura fragilizada, mas de extrema importância e beleza, e questiona se essa condição de “mendicidade” (pobreza) será eterna ou pode ser superada.

Poesia e Mendicidade, de Castro Alves

I

Senhora! A Poesia outrora era a Estrangeira,
Pálida, aventureira, errante a viajar,
Batendo em duas portas — ao grito das procelas —
Ao céu — pedindo estrelas, à terra — um pobre lar!

Visão — de áureos lauréis — porém de manto esquálido,
Mulher — de lábio pálido — e olhar — cheio de luz.
Seus passos nos espinhos em sangue se assinalam…
E os astros lhe resvalam — à flor dos ombros nus …

II

Olhai! O sol descamba… A tarde harmoniosa
Envolve luminosa a Grécia em frouxo véu.
Na estrada ao som da vaga, ao suspirar do vento,
De um marco poeirento um velho então se ergueu.

Ergueu-se tateando… é cego… o cego anseia…
Porém o que tateia aquela augusta mão?
Talvez busca pegar o sol, que lento expira!…
Fado cruel… mentira!… Homero pede pão!

III

Mas ai! volvei, Senhora, os vossos belos olhos
Daquele mar de abrolhos, a um novo quadro! olhai!
Do vasto salão gótico eu ergo o reposteiro…
o lar é hospitaleiro… Entrai, Senhora, entrail

Estamos na média idade. Arnês, gládio, armadura
Servem de compostura à sala vasta e chá.
A um lado um galgo esvelto ameiga e acaricia
A mão suave, esguia — à loura castelã.

Vai o banquete em meio… O bardo se alevanta
Pega da lira… canta… uma canção de amor…
Ouvi-o! Para ouvi-lo a estrela pensativa
Alonga pela ogiva um raio de langor!

Dos ramos do carvalho a brisa se debruça…
Na sala alguém soluça… (amor, ou languidez?)
Súbito a nota extrema anseia, treme, rola…
Alguém pede uma esmola… Senhora, não olheis!…

Assim nos tempos idos a musa canta e pede…
Gênio e mendigo… vede… o abismo de irrisões!
Tasso implora um olhar! Vai Ossian mendicante…
Caminha roto o Dante! e pede pão Camões.

IV

Bem sei, Senhora, que ao talento agora
Surgiu a aurora de uma luz amena.
Hoje há salário p’ra qualquer trabalho,
Cinzel, ou malho, ferramenta ou pena!

Melhor que o Rei sabe pagar o pobre
Melhor que o nobre — protetor verdugo —!
Foi surdo um trono… à maior glória vossa…
Abre-se a choça aos Miseráveis de Hugo.

Porém não sei se é por costume antigo,
Que inda é mendigo do cantor o gênio.
Mudem-se os panos do cenário a esmo
O vulto é o mesmo… num melhor proscênio …

V

Hoje o Poeta — caminheiro errante,
Que tem saudade de um país melhor
Pede uma pérola — à maré montante,
Do seio às vagas — pede — um outro amor.

Alma sedenta de ideal na terra
Busca apagar aquela sede atroz!
Pede a harmonia divinal, que encerra
Do ninho o chilro… da tormenta a voz!

E o rir da folha, o sussurrar da fala,
Trenos da estrela no amoroso estio.
Voz que dos poros o Universo exala
Do céu, da gruta, do alcantil, do rio!

Pede aos pequenos, desde o verme ao tojo,
Ao fraco, ao forte. . . — preces, gritos, uivos …
Pede das águias o possante arrojo,
Para encontrar os meteoros ruivos.

Pede à mulher que seja boa e linda
— Vestal de um tipo que o ideal revela…
Pois ser formosa é ser melhor ainda…
Se és boa — és luz… mas se és formosa — estrela…

E pede à sombra p’ra aljofrar de orvalhos
A fronte azul da solidão noturna.
E pede às auras p’ra afagar os galhos
E pede ao lírio p’ra enfeitar a furna.

Pede ao olhar a maciez suave
Que tem o arminho e o edredon macio,
O aveludado da penugem d’ave,
Que afaga as plumas no palmar sombrio.

………………………………………………………………………

E quando encontra sobre a terra ingrata
Um reverbero do clarão celeste,
— Alma formada de uma essência grata,
Que a lua — doura, e que um perfume veste;

Um rir, que nasce como o broto em maio;
Mostrando seivas de bondade infinda,
Fronte que guarda — a claridade e o raio,
— Virtude e graça — o ser bondosa e linda …

Então, Senhora, sob tanto encanto
Pede o Poeta (que não tem renome)
— Versos — à brisa pra vos dar um canto…
Raios ao sol — p’ra vos traçar o nome! …

Análise do poema “Poesia e Mendicidade”

O poema “Poesia e Mendicidade” aborda a condição do poeta e a relação entre a poesia e a pobreza. Castro Alves apresenta a figura da Poesia como uma mendiga em busca de reconhecimento e apoio, tanto divino quanto terreno.

No primeiro trecho do poema, a Poesia é descrita como uma figura frágil e errante, que bate nas portas do céu e da terra em busca de um lugar para chamar de lar. Ela implora estrelas aos céus e um pobre lar à terra, revelando sua precária situação e sua carência.

Em seguida, o poeta faz referência à Grécia, em uma tarde harmoniosa, para contrastar com a imagem de um velho cego que se ergue de um marco poeirento. Esse contraste entre a beleza e a tardia decadência destaca a precariedade da situação do poeta e a dificuldade de alcançar o reconhecimento e o apoio que ele busca.

O poema apresenta também referências a grandes poetas como Homero, Tasso, Ossian e Dante, que também foram mendicantes de sua arte. Ao mencionar esses nomes, o poeta estabelece uma conexão entre sua própria condição e a de poetas aclamados da antiguidade e de seu tempo, sugerindo que a mendicidade é uma parte inerente da condição poética.

No último trecho do poema, Castro Alves afirma que, apesar das mudanças sociais e do surgimento de salários para diferentes tipos de trabalho, a condição de mendigo da poesia ainda persiste. O poeta pede versos à brisa e raios ao sol para honrar a amada, revelando a necessidade constante de inspiração e reconhecimento.

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O Pobre Poeta, de Carl Spitzweg. Ilustrando o poema "Poesia e Mendicidade", de Castro Alves.
O Pobre Poeta, de Carl Spitzweg. Ilustrando o poema "Poesia e Mendicidade", de Castro Alves.
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Alexandre Garcia Peres

Criador do site Literatura Online e Redator, Editor e Analista de SEO com três anos de experiência. Formado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), com foco em literatura e TCC em Paulo Leminski. Fez um ano de especialização em Teoria da Literatura e sua maior área de interesse é a poesia brasileira, principalmente os poetas da segunda e terceira geração do romantismo.

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