Molière: 4 péssimos ensinamentos da peça ‘Don Juan’ (e 3 ótimos)

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Lançada em 15 de janeiro de 1665, a peça Don Juan ou le Festin de Pierre é uma das mais famosas do polêmico dramaturgo cômico francês Jean-Baptiste Molière. A peça segue uma versão de Don Juan, lendário personagem europeu conhecido pela vida de excesso e conquistas amorosas.

Na versão de Molière, Don Juan tem praticamente uma necessidade de flertar com toda mulher que ele encontra, colocando-o em posições no mínimo… complicadas. Dentre as conquistas (e os duelos decorrentes das confusões), há inúmeros ensinamentos valiosos na peça — para o bem e para o mal, já que muitos deles são péssimos de se seguir!

Molière 4 péssimos ensinamentos da peça 'Don Juan' (e 3 ótimos)

Péssima lição: Promove a Infidelidade

O personagem Don Juan, criado por Molière, traz consigo a controversa ideia de que a fidelidade é uma virtude limitada aos medíocres. Ele prega que o amor verdadeiro reside na constante busca por novas conquistas, desdenhando a lealdade no amor.

Essa perspectiva, de que para viver o amor plenamente deve-se sempre procurar novos parceiros, desvaloriza os laços e compromissos afetivos duradouros, contribuindo para uma visão distorcida dos relacionamentos humanos.

“DON JUAN: Não diga! Você pretende que uma pessoa se ligue definitivamente a um só objeto de paixão, como se fosse o único existente? Depois disso renunciar ao mundo, ficar cego para todas as outras formosuras? Bela coisa, sem dúvida, uma pessoa em plena juventude enterrar-se para sempre na cova de uma sedução, morto para todas as belezas do mundo em forma de mulher. Tudo em nome de uma honra artificial que chamam fidelidade? Ser fiel é ridículo, tolo, só serve aos medíocres. […] As atrações nascentes têm encantos inexplicáveis, todo o gozo do amor está na renovação. […] Mas, uma vez possuída, não há mais o que dizer, ou desejar. Toda a beleza da paixão se acaba e dormimos na serenidade do amor conquistado, até outro estímulo despertar nossos desejos com a irresistível atração do novo. Enfim, não há nada tão doce quanto dobrar a resistência de uma bela mulher.” 

Ótima lição: Valorização do Conhecimento Informal

No entanto, Don Juan traz ensinamentos valiosos, como a valorização do conhecimento informal no lugar do conhecimento erudito. Ou seja, a capacidade de entender o mundo por meio de percepções, intuições e vivências, sem necessariamente depender do conhecimento acadêmico.

Essa visão encoraja o reconhecimento e a valorização das várias formas de inteligência e sabedoria, além daquelas tradicionalmente celebradas nos ambientes formais de ensino.

LEPORELO: É preciso reconhecer que a cabeça humana engendra tremendas besteiras. E que, em geral, quanto mais estudamos mais obtusos ficamos. Pois, comigo, que graças a Deus não estudei como o senhor, ninguém pode vangloriar-se de ter me ensinado nada. Mas, com meu diminuto bom senso e meu parco entendimento, vejo as coisas melhor do que todos os livros, e compreendo muito bem que este mundo que vemos não é um cogumelo que nasce sozinho no meio da noite. […] Meu raciocínio é que, diga o senhor o que quiser, existe no homem uma coisa maravilhosa que nenhum sábio é capaz de explicar. Não é maravilhoso que eu tenha algum mistério na cabeça que me faz pensar cento e oitenta e quatro coisas diferentes ao mesmo instante? E é capaz de fazer do meu corpo o que bem quer? Eu bato palmas, levanto os braços, ergo meus olhos para o céu, abaixo a cabeça, sapateio, vou pra direita, ou pra esquerda, pra frente, pra trás, giro…”

Péssima lição: Má Gestão Financeira

Don Juan também é um exemplo de um péssimo gestor financeiro. Ele aconselha pagar aos credores menos do que o devido, sugerindo que a manipulação é uma ferramenta válida para fazer com que os outros se sintam satisfeitos mesmo sendo prejudicados, em uma relação tóxica com o dinheiro, onde enganar passa a ser sinônimo de sucesso.

“DON JUAN: Não senhor, ao contrário, manda-o entrar. É péssima política evitar os credores. O certo é lhes pagar alguma coisa, de preferência metade do mínimo que esperam. Embora eu sempre consiga que saiam satisfeitos, deixando ainda alguma coisa mais.”

Ótima lição: O poder da redenção

Don Luís, pai de Don Juan, também traz umas lições importantes na peça em suas curtas passagens. Uma delas diz respeito à velocidade com que os erros e as mágoas do passado podem ser apagadas a partir do momento em que trabalhamos para consertá-las.

Uma pena para ele que esta fala aconteceu, na peça, em um momento em que Don Juan fingia ter mudado para melhor. Tudo não passou de encenação. Ainda assim, a lição é importante!

DON LUÍS: Ah, Juanito, com que facilidade renasce a ternura de um pai, e como, à mais simples demonstração de arrependimento, desaparecem logo as mágoas provocadas pelas ofensas de um filho. Já nem me lembro mais de todos os desgostos que me deu – tudo se apagou com as palavras que acabei de ouvir. Confesso; não caibo em mim de alegria; não contenho minhas lágrimas; todos os meus votos foram aceitos; nada mais tenho que pedir ao Céu. Abrace-me, meu filho, e persiste, imploro, em tua louvável intenção. De minha parte vou correndo levar esta bela notícia à tua mãe, compartilhar com ela a minha comoção, e render graças ao Céu pela santa resolução que te inspirou.

Péssima lição: Encoraja Uma Vida de Excessos

A filosofia de vida propagada por Don Juan inclui a ideia de que anos de libertinagem podem ser apagados por um simples arrependimento no final da vida. Esse ensinamento nos leva a crer, de forma errada, em uma existência que gira em torno de excessos e pecados, sob a falsa premissa de uma fácil redenção no final.

Essa ideia é não apenas moralmente questionável, mas ignora as repercussões reais de nossas ações, tanto para nós mesmos quanto para os outros.

DON JUAN – (Sentando-se à mesa) Mas é verdade, Leporelo, vou te dizer uma coisa – é preciso começar a pensar em mudar de vida.

LEPORELO – Eu, patrão?

DON JUAN – Nós, idiota! Nós. E depressa. Apenas mais vinte ou trinta anos desta vida que você chama dissipada e, depois, o arrependimento. E a absolvição.

LEPORELO – Assim, depois de todos esses pecados?

DON JUAN – O Céu despreza pequenos pecadores. Só os grandes lhe dão ensejo a portentosas magnanimidades. “

Ótima lição: Reconhecer os Perigos da Ambição Desmedida

Don Luís também alerta para os perigos da ambição em excesso. Ele reconhece que desejar muito algo pode levar a consequências inesperadas, destacando a importância de ponderar os desejos e aspirações, não ignorando os sinais da vida e dos céus.

Com isso, podemos evitar as armadilhas da insatisfação crônica e das buscas sem sentido que podem desviar indivíduos de uma vida plena e equilibrada.

DON LUÍS: Todos ficamos perdidos quando não deixamos que o Céu cuide de nossos destinos, quando pretendemos saber mais do que ele, e o importunamos com ambições cegas, demandas inconsideradas. Desejei ardentemente um filho. Esperei-o com ânsia. Implorei por ele com preces infindáveis. E esse filho, que afinal chegou, depois que cansei o Céu com os meus pedidos, tomou-se a dor e o suplício desta mesma vida da qual devia ser alegria e consolo.

Péssima lição: Hipocrisia Social

Um outro aspecto negativo na conduta de Don Juan é sua constante hipocrisia social. Ele admite usar a virtude apenas como fachada, criticando uma sociedade que valoriza a aparência de moralidade acima do caráter.

Já fiz uma análise completa desse trecho aqui no Literatura Online, inclusive relacionando-o com os dias de hoje, através do chamados “cidadãos de bem”. Vale a leitura.

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Alexandre Garcia Peres

Criador do site Literatura Online e Redator, Editor e Analista de SEO com três anos de experiência. Formado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), com foco em literatura e TCC em Paulo Leminski. Fez um ano de especialização em Teoria da Literatura e sua maior área de interesse é a poesia brasileira, principalmente os poetas da segunda e terceira geração do romantismo.

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