Vinícius de Moraes, com sua poesia de métricas afinadas e temáticas profundas, sempre será uma figura cativante no cenário literário brasileiro. Hoje, daremos uma olhada em cinco de seus poemas mais marcantes, buscando compreender a estrutura, o lirismo e a mensagem embutida nessas obras que refletem as diversas facetas da vida e da sociedade humana.
Soneto de Fidelidade – Vinícius de Moraes
De tudo ao meu amor serei atento Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto Que mesmo em face do maior encanto Dele se encante mais meu pensamento. Quero vivê-lo em cada vão momento E em seu louvor hei de espalhar meu canto E rir meu riso e derramar meu pranto Ao seu pesar ou seu contentamento E assim, quando mais tarde me procure Quem sabe a morte, angústia de quem vive Quem sabe a solidão, fim de quem ama Eu possa me dizer do amor (que tive): Que não seja imortal, posto que é chama Mas que seja infinito enquanto dure.
Este soneto explora a natureza passageira, mas intensa do amor. O eu-lírico propõe uma fidelidade apaixonada, não só no sentido romântico mas em uma entrega total às experiências vividas. Ele amará em cada momento em que puder amar, sendo o motivo de seu riso, de seu canto, e ao mesmo tempo de seu pesar e contentamento.
O paradoxo final resume a visão do autor sobre o amor: um sentimento finito, mas sem medida na sua duração. Sendo o amor uma chama, ela irá se extinguir, como a vida, mas ao mesmo tempo é infinito enquanto dura.
A rosa de Hiroshima – Vinícius de Moraes
Pensem nas crianças Mudas telepáticas Pensem nas meninas Cegas inexatas Pensem nas mulheres Rotas alteradas Pensem nas feridas Como rosas cálidas Mas oh não se esqueçam Da rosa da rosa Da rosa de Hiroxima A rosa hereditária A rosa radioativa Estúpida e inválida. A rosa com cirrose A antirrosa atômica Sem cor sem perfume Sem rosa sem nada.
Este poema é uma reflexão sobre as consequências devastadoras da bomba atômica em Hiroshima, lançada pelos EUA no contexto do fim da Segunda Guerra Mundial. A “rosa de Hiroshima”, escrito em 1946, um ano depois do lançamento da bomba, é uma metáfora das vítimas e o poema ressalta a perda de inocência e a mutilação da vida e da natureza de forma poderosa e trágica.
Vale destacar que Vinícius de Moraes foi diplomata brasileiro e, portanto, teve bastante interesse e engajamento com questões relacionadas a políticas e conflitos internacionais.
Soneto da Separação – Vinícius de Moraes
De repente do riso fez-se o pranto Silencioso e branco como a bruma E das bocas unidas fez-se a espuma E das mãos espalmadas fez-se o espanto. De repente da calma fez-se o vento Que dos olhos desfez a última chama E da paixão fez-se o pressentimento E do momento imóvel fez-se o drama. De repente, não mais que de repente Fez-se de triste o que se fez amante E de sozinho o que se fez contente. Fez-se do amigo próximo o distante Fez-se da vida uma aventura errante De repente, não mais que de repente.
O “Soneto da Separação” descreve a súbita transformação dos sentimentos e relacionamentos ao longo do tempo. O riso que vira choro, o amante contente que vira triste e solitário, o amigo próximo que vira distante e assim por diante.
As imagens contrastantes de união e afastamento realçam a abrupta mudança de estado emocional provocada pela separação, nas suas mais diferentes manifestações.
Soneto de Contrição – Vinícius de Moraes
Eu te amo, Maria, eu te amo tanto Que o meu peito me dói como em doença E quanto mais me seja a dor intensa Mais cresce na minha alma teu encanto. Como a criança que vagueia o canto Ante o mistério da amplidão suspensa Meu coração é um vago de acalanto Berçando versos de saudade imensa. Não é maior o coração que a alma Nem melhor a presença que a saudade Só te amar é divino, e sentir calma… E é uma calma tão feita de humildade Que tão mais te soubesse pertencida Menos seria eterno em tua vida.
Neste poema, Vinícius expressa um amor dolorido e profundo, entrelaçando sensações de aflição com o sublimar da figura amada. O eu-lírico ama tanto Maria que chega a doer em seu peito, e quanto mais a dor cresce, mais cresce também o encanto.
O poeta brinca com o paradoxo entre o desejo de posse e a liberdade necessária para o amor verdadeiro se desenvolver. Ele chega a dizer que a saudade é melhor do que a presença, porque se ele a tivesse por perto, o amor não seria tão divino assim. Estar longe de Maria faz bem para o seu coração.
Não Comerei da Alface a Verde Pétala – Vinícius de Moraes
Não comerei da alface a verde pétala Nem da cenoura as hóstias desbotadas Deixarei as pastagens às manadas E a quem maior aprouver fazer dieta. Cajus hei de chupar, mangas-espadas Talvez pouco elegantes para um poeta Mas peras e maçãs, deixo-as ao esteta Que acredita no cromo das saladas. Não nasci ruminante como os bois Nem como os coelhos, roedor; nasci Omnívoro: deem-me feijão com arroz E um bife, e um queijo forte, e parati E eu morrerei feliz, do coração De ter vivido sem comer em vão.
Aqui, o poeta aborda a questão da vida cotidiana, a alimentação, de forma lúdica e crítica. E, obviamente, aborda essa questão de forma engraçada e exagerada, chamando uma simples folha de alface de “verde pétala”, e as cenouras de “hóstias desbotadas”.
Ele contrapõe a ideia de dietas restritivas a um apetite voraz pela vida, valorizando a simplicidade e a autenticidade gastronômica e existencial. No final, é uma reflexão sobre comer (e aproveitar) o que lhe faz feliz, mesmo que isso signifique viver menos. Ao menos não se arrependerá no final!