Em “Eterna Dor”, de Auta de Souza, o eu-lírico estabelece uma conversa dolorosa com sua mãe falecida, criando imagens poéticas que vão além do sofrimento terreno.
Eterna dor, de Auta de Souza
Alma de meu amor, lírio celeste,
Sonho feito de um beijo e de um carinho,
Criatura gentil, pomba de arminho,
Arrulhando nas folhas de um cipreste.
Ó minha mãe! Por que no mundo agreste,
Rola formosa, abandonaste o ninho?
Se as roseiras do Céu não têm espinhos,
Quero ir contigo, ó lírio meu celeste!
Ah! se soubesses como sofro, e tanto!
Leva-me à terra onde não corre o pranto,
Leva-me, santa, onde a ventura existe…
Aqui na vida – que tamanha mágoa! –
O próprio olhar de Deus encheu-se d’água…
Ó minha mãe, como este mundo é triste!
Utinga – Outubro de 1898
Análise do poema “Eterna dor”
“Eterna dor” é um poema marcado pela saudade e com um apelo triste por conforto e companhia diante da perda da mãe por parte do eu-lírico.
Auta de Souza usa imagens concretas, como o “lírio celeste”, metaforizando sua mãe e colocando-a como símbolo de pureza e transcendência.
A “pomba de arminho”, animal que representa a paz e a inocência, também é uma representação que simboliza sua mãe, enquanto o “cipreste” simboliza morte e eternidade, reforçando a perda.
Ela se questiona sobre o porquê da morte da mãe, em um “mundo agreste”, em um tom carregado de angústia e incompreensão. Por que a mãe, como pomba, abandonou o seu ninho?
O ninho abandonado é um retrato de uma solidão profunda e inquietante. Já as “roseiras do Céu”, livres de espinhos, simbolizam o desejo de um lugar as dores da vida não existem, onde mãe e filha possam se reencontrar.
A intensidade do sofrimento aumenta ainda mais na terceira estrofe, onde a poetisa expressa o desejo de ser levada para um lugar sem lágrimas, procurando por alívio. Já a menção de um olhar divino “enchendo-se d’água” na quarta estrofe sugere que até mesmo Deus sente essa dor da humanidade.
A escolha de palavras como “santa” e “ventura” eleva a figura materna a um estado de santidade e a um lar espiritual de felicidade e paz, enquanto a conclusão, “como este mundo é triste!”, retrata o mundo terreno como o oposto disso, reforçando que se trata de um local de experiências sofríveis.