Auta de Souza, poeta potiguar cuja breve existência transcorreu entre fins do século XIX e inícios do XX, deixou um legado de escritos que tocam profundamente as emoções humanas.
Seu poema “Contrastes,” atribuído a ela postumamente por meio de psicografia realizada pelo médium Francisco Cândido Xavier, é uma obra repleta de sensibilidade, fazendo uso da métrica e da rima características do soneto para explorar o contraste entre a dor e a alegria inerentes à condição humana.
Contrastes, de Auta de Souza
Poema psicografado pelo médium Francisco Cândido Xavier e atribuído a Auta de Souza.
Existe tanta dor desconhecida
Ferindo as almas pelo mundo em fora,
Tanto amargor de espírito que chora
Em cansaços nas lutas pela vida;
E há também os reflexos da aurora
De ventura, que torna a alma florida,
A alegria fulgente e estremecida,
Aureolada de luz confortadora.
Há, porém, tanta dor em demasia,
Sobrepujando instantes de alegria,
Tal desalento e tantas desventuras,
Que o coração dormente, a pleno gozo,
Deve fugir das horas de repouso,
Minorando as alheias amarguras.
Análise do poema “Contrastes”
O soneto “Contrastes,” de Auta de Souza, é uma meditação sobre a intermitência experiencial da existência humana, marcada por oscilações entre dor e felicidade.
A abertura direta do poema — “Existe tanta dor desconhecida” — instaura um universo onde o sofrimento é vasto, oculto e universal. Souza aponta para uma dor coletiva, “pelo mundo em fora,” ressaltando a onipresença dessa condição dolorosa que transcende fronteiras pessoais.
As “lutas pela vida” evocam a natureza árdua da existência, marcada por embates e desgastes constantes, nos quais o “espírito que chora” simboliza uma humanidade sobrecarregada pela tristeza. Porém, com um contraste brilhante, a segunda estrofe traz imagens de renovação e esperança — “reflexos da aurora / De ventura,” sugerindo que após a escuridão há uma promessa de luz e felicidade.
A “alegria fulgente e estremecida” mencionada oferece um interlúdio de contentamento que, no entanto, é descrito como algo quase efêmero e vibrante, como se a alegria se manifestasse apesar das contínuas adversidades, e não como um estado permanente.
O ponto decisivo do poema está na terceira estrofe, onde Souza admite uma predominância das “dor[es] em demasia,” sugerindo que a balança pende mais para o sofrimento do que para a alegria. A linguagem se volta para a interioridade, quando o “coração dormente” é convocado à ação, um imperativo moral que desafia o conforto do “repouso” em prol da empatia — “minorando as alheias amarguras.”
Auta de Souza utiliza a métrica e as rimas do soneto para encenar este teatro de sensações, convocando o leitor a refletir sobre a profunda solidariedade que deve prevalecer diante do panorama universal de sofrimento.
O poema é um apelo veemente à compaixão ativa, sobrepõe a necessária atenção ao outro ao invés da busca pelo gozo pessoal.