O Trovadorismo é um marco importante na história da literatura medieval, marcando um período onde a poesia cantada se destacava em meio a uma sociedade profundamente influenciada pelo teocentrismo (Deus no centro de tudo) e pelo domínio da Igreja Católica.
Originado na Provença, sul da França, esse movimento literário trouxe diversas formas de expressão poética, que se dividiram em quatro principais tipos de cantigas: de amor, de amigo, de escárnio e de maldizer.
O que foi o Trovadorismo?
O trovadorismo, surgido no século XI, foi um movimento literário marcado principalmente pela poesia cantada.
Essa forma de arte floresceu em um ambiente onde a Igreja Católica exercia grande poder econômico e político, restringindo a liberdade artística e de pensamento. No entanto, na Provença, onde a Igreja tinha menos influência, os trovadores conseguiram criar um estilo literário mais livre e que valorizava o indivíduo.
A sociedade medieval, dividida entre clero, nobreza e povo, era majoritariamente analfabeta, e a produção de livros era cara e limitada ao clero e alguns nobres, o que favoreceu o surgimento e desenvolvimento da poesia cantada.
As 4 cantigas do Trovadorismo
As cantigas trovadorescas se dividem em dois grandes grupos: lírico-amorosas e satíricas.
As cantigas lírico-amorosas incluem as cantigas de amor e de amigo, focando no sofrimento amoroso e na saudade.
Já as cantigas satíricas, que incluem as cantigas de escárnio e de maldizer, utilizam a crítica e a zombaria para abordar questões sociais, políticas e religiosas.
Cantigas de Amor
As cantigas de amor, escritas em voz masculina, tinham uma complexidade retórica e uma falta de variedade de personagens e situações.
O eu-lírico (aquele que “fala” no poema), geralmente um homem, expressa seu amor e lealdade a uma mulher, lamentando a sua crueldade (por não ceder às suas investidas) ou distância (física ou metafórica).
Embora inspiradas pelas canções occitanas e francesas antigas, as cantigas de amor tem uma estrutura bastante elaborada e inclui frequentemente o uso do enjambement (cavalgamento), uma técnica poética que conecta as unidades métricas e sintáticas de maneira fluida, criando um efeito no fim dos versos.
Exemplo: Cantiga de amor de Bernardo de Bonaval
A dona que eu amo e tenho por Senhor
amostra-me-a Deus, se vos en prazer for,
se non dade-me-a morte.
A que tenh’eu por lume d’estes olhos meus
e porque choran sempr(e) amostrade-me-a Deus,
se non dade-me-a morte.
Essa que Vós fezestes melhor parecer
de quantas sei, a Deus, fazede-me-a veer,
se non dade-me-a morte.
A Deus, que me-a fizestes mais amar,
mostrade-me-a algo possa con ela falar,
se non dade-me-a morte.
Cantigas de Amigo
Já as cantigas de amigo, por outro lado, são escritas em voz feminina e apresentam maior variedade de situações e propósitos. Apesar da voz feminina, eram escritas principalmente por homens.
A personagem feminina interage com sua mãe, amiga ou namorado, narrando despedidas, reencontros, brigas e reconciliações. Esse gênero é marcado pela repetição e uso de refrão, destacando-se pela simplicidade estilística e pela representação de um mundo de comunicação feminina.
As cantigas de amigo são encontradas principalmente em importantes manuscritos medievais, como o Cancioneiro Colocci-Brancuti e o Cancioneiro da Vaticana.
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Exemplo: Cantiga da amigo de D. Dinis
Ai flores, ai flores do verde pino,
se sabedes novas do meu amigo!
ai Deus, e u é?
Ai flores, ai flores do verde ramo,
se sabedes novas do meu amado!
ai Deus, e u é?
Se sabedes novas do meu amigo,
aquel que mentiu do que pôs comigo!
ai Deus, e u é?
Se sabedes novas do meu amado,
aquel que mentiu do que mi há jurado!
ai Deus, e u é?
Cantigas de Escárnio e Maldizer
As cantigas de escárnio e maldizer são conhecidas pela crítica direta e muitas vezes ofensiva a indivíduos específicos.
Também usando formas poéticas complexas e uma variedade de técnicas retóricas, esses poemas abordam temas como sexualidade, conflitos sociais, questões políticas e críticas à religião, especialmente ao catolicismo.
Diferente da sátira, que se dirige a grupos, as cantigas de escárnio e maldizer focam em insultos pessoais, tornando-se um rico material para o estudo da história cultural e social da Idade Média.
Exemplo: Cantiga de Escárnio de João Garcia de Guilhade
Ai dona fea! Foste-vos queixar
Que vos nunca louv’en meu trobar
Mais ora quero fazer un cantar
En que vos loarei toda via;
E vedes como vos quero loar:
Dona fea, velha e sandia!
Ai dona fea! Se Deus mi pardon!
E pois havedes tan gran coraçon
Que vos eu loe en esta razon,
Vos quero já loar toda via;
E vedes qual será a loaçon:
Dona fea, velha e sandia!
Dona fea, nunca vos eu loei
En meu trobar, pero muito trobei;
Mais ora já en bom cantar farei
En que vos loarei toda via;
E direi-vos como vos loarei:
Dona fea, velha e sandia!