Em A Visão dos Mortos, de Castro Alves, o eu-lírico descreve figuras proeminentes da história do Brasil, que lutaram pela liberdade, que saem de suas tumbas e voltam ao mundo, como fantasmas, e lamentam ao constatarem que a liberdade ainda não reina no Brasil, que ainda era um país escravista na época de publicação.
(Imagem: Dieter/Pixabay)
A Visão dos Mortos
Nas horas tristes que em neblinas densas
A terra envolta num sudário dorme,
E o vento geme na amplidão celeste
– Cúpula imensa dum sepulcro enorme, –
Um grito passa despertando os ares,
Levanta as lousas invisível mão.
Os mortos saltam, poeirentos, lívidos.
Da lua pálida ao fatal clarão.
Do solo adusto do africano Saara
Surge um fantasma com soberbo passo,
Presos os braços, laureada a fronte,
Louco poeta, como fora o Tasso.
Do sul, do norte… do oriente irrompem
Dórias, Siqueiras e Machado então.
Vem Pedro lvo no cavalo negro
Da lua pálida ao fatal clarão.
O Tiradentes sobre o poste erguido
Lá se destaca das cerúleas telas,,
Pelos cabelos a cabeça erguendo,
Que rola sangue, que espadana estrelas.
E o grande Andrada, esse arquiteto ousado,
Que amassa um povo na robusta mão:
O vento agita do tribuno a toga
Da lua pálida ao fatal clarão.
A estátua range… estremecendo move-se
O rei de bronze na deserta praça.
O povo grita: Independência ou Morte!
Vendo soberbo o Imperador, que passa.
Duas coroas seu cavalo pisa,
Mas duas cartas ele traz na mão.
Por guarda de honra tem dous povos livres,
Da lua pálida ao fatal clarão.
Então, no meio de um silêncio lúgubre,
Solta este grito a legião da morte:
“Aonde a terra que talhamos livre,
Aonde o povo que fizemos forte?
Nossas mortalhas o presente inunda
No sangue escravo, que nodoa o chão.
Anchietas, Gracos, vós dormis na orgia,
Da lua pálida ao fatal clarão.
“Brutus renega a tribunícia toga,
O apostlo cospe no Evangelho Santo,
E o Cristo – Povo, no Calvário erguido,
Fita o futuro com sombrio espanto.
Nos ninhos dáguias que nos restam? – Corvos,
Que vendo a pátria se estorcer no chão,
Passam, repassam, como alados crimes,
Da lua pálida ao fatal clarão.
“Oh! é preciso inda esperar cem anos…
Cem anos. . . ” brada a legião da morte.
E longe, aos ecos nas quebradas trêmulas,
Sacode o grito soluçando, – o norte.
Sobre os corcéis dos nevoeiros brancos
Pelo infinito a galopar lá vão…
Erguem-se as névoas como pó do espaço
Da lua pálida ao fatal clarão.