A Minha Irmã Adelaide
QUANDO SOZINHO e triste… em horas de amargura,
Tu sentes de meu seio a tempestade escura
As asas encurvar, no fúnebre oceano!…
Quando a esponja de fel embebe-me a lembrança!…
… Levantas-te de leve, é límpida criança!…
E deixas tuas mãos correrem no piano…
— Tualma — terna e meiga inclina-se inquieta
No abismo funeral das mágoas do poeta,
E sonda aquele pego… e rasga aquele arcano!
Após Nesse arquejar da vida, que me pesa,
Ouço… longe, uma voz que no infinito reza! …
Na terra um soluçar choroso… É teu piano!
Quando no desviver das horas de atonia,
Das noites tropicais na morna calmaria,
Da mocidade o canto arrojo ao vento — insano…
E, perto de morrer, o amor anseio ainda!…
Que mulher me soletra essa harmonia infinda?
… É tua mão quempresta umalma ao teu piano…
E enquanto a flor rebenta à face da lagoa
E a lua vagabunda o céu percorre à toa,
Mirando na corrente o seio leviano;
Inda a terra minspira um sonho de ternura!…
… O gênio da desgraça, o gênio da loucura,
Tu sabes, qual Davi, curar no teu piano.
Criança! Que não vês como é sublime e santo
Fazer irmãos no amor e cúmplices no pranto
Mozart, o homem do Norte, e Verdi, o Italiano
Despertar ao relento o idílio de Bellini!
Fazer dançar Sevilha, ao toque de Rossini…
E o bolero estalar… nas teclas do piano!
Ai! toca! No meu ser acorda ainda um estro
À voz de Gottschalck — o esplêndido maestro —
Aos lampejos de luz — do Moço Paulistano —
Ai! toca!… Enche de sons o derradeiro dia
Daquele que só tem por sonho — uma harmonia!
Por única riqueza… a ti… e ao teu piano!