Em “Os Perfumes”, poema de Castro Alves, o poeta explora o papel do perfume na identidade feminina, invocando sentimentos de realeza e mistério. O perfume, segundo o poema, já revela detalhes e traços do espírito que habita aquele corpo: ora doce e puro, ora lascivo e misterioso.
O poema é introduzido por uma epígrafe de José de Alencar, que também faz uma ligação entre as mulheres e seus perfumes, comparando-as a borboletas em busca do mel das flores.
É um poema que talvez tenha envelhecido um pouco mal, já que afirma que o perfume é uma espécie de invólucro que se completa ao se unir à mulher bonita, ou que o aroma das flores passam para as “belas donzelas virgens”. A mulher é comparada a uma salamandra (que, segundo as lendas, vive envolta em chamas) e a uma sultana (que vive envolta em perfumes).
Apesar disso, é um poema bonito, que faz referência a várias figuras literárias e mitológicas, como a Ninon de Lenclos, famosa cortesã do século XVII conhecida pela beleza, inteligência e influência na corte francesa (cujo perfume, no poema, é descrito como “lascivo e provocante”). Ou então a Santa Cecília, padroeira da música na tradição cristã, que cria um contraste com Ninon pelo seu perfume que remeteria ao mistério divino.
Os Perfumes, de Castro Alves
A. L.
O sândalo é o perfume das mulheres de Istambul,
e das huris do profeta; como as borboletas,
que se alimentam do mel, a mulher do Oriente
vive com as gotas dessa essência divina.
(J. DE ALENCAR)
O Perfume é o invólucro invisível,
Que encerra as formas da mulher bonita.
Bem como a salamandra em chamas vive,
Entre perfumes a sultana habita.
Escrínio aveludado onde se guarda
— Colar de pedras — a beleza esquiva,
Espécie de crisálida, onde mora
A borboleta dos salões — a Diva.
Alma das flores — quando as flores morrem,
Os perfumes emigram para as belas,
Trocam lábios de virgens — por boninas,
Trocam lírios — por seios de donzelas!
E ali — silfos travessos, traiçoeiros
Voam cantando em lânguido compasso
Ocultos nesses cálices macios
Das covinhas de um rosto ou dum regaço.
Vós, que não entendeis a lenda oculta,
A linguagem mimosa dos aromas,
De Madalena a urna olhais apenas
Como um primor de orientais redomas;
E não vedes que ali na mirra e nardo
Vai toda a crença da Judia loura…
E que o óleo, que lava os pés do Cristo,
É uma reza também da pecadora.
Por mim eu sei que há confidências ternas,
Um poema saudoso, angustiado,
Se uma rosa de há muito emurchecida,
Rola acaso de um livro abandonado.
O espírito talvez dos tempos idos
Desperta ali como invisível nume…
E o poeta murmura suspirando:
“Bem me lembro… era este o seu perfume!”
E que segredo não revela acaso
De uma mulher a predileta essência?
Ora o cheiro é lascivo e provocante!
Ora casto, infantil, como a inocência!
Ora propala os sensuais anseios
Dalcova de Ninon ou Margarida,
Ora o mistério divinal do leito,
Onde sonha Cecília adormecida.
Aqui, na magnólia de Celuta
Lambe a solta madeixa, que se estira.
Unge o bronze do dorso da cabocla,
E o mármore do corpo da Hetaíra.
É que o perfume denuncia o espírito
Que sob as formas feminis palpita…
Pois como a salamandra em chamas vive,
Entre perfumes a mulher habita.