Aquela Mão, de Castro Alves

Aquela Mão

Pálidos versos a um primor divino

ERA UA MÃO de luxo… Era um brinquedo!…
Mas tão bonita que metera medo,
Se não fosse, meu Deus! tão meiga e franca!
Mão pra se encher de gemas e brilhantes,
De suspiros, de anelos palpitantes…
Mas pra estalar as jóias e os amantes…
Aquela mão tão branca!

Era ua mão fidalga… exígua, escassa!
Mão de Duquesa! Era ua mão de raça
De sangue azul, em veios de Carrara!
Alva, tão alva que vencia a idéia
Das neblinas, dos gelos e da garça!…
Amassada no leite de Amaltéia
Aquela mão tão rara!

Tinha um gesto de musa! — Mão que voa,
Que do piano na ideal lagoa,
As asas banha em rapidez não vista!…
Como a andorinha que se arroja à toa,
Cruzando em beijos a extensão das teclas!
Acendendo no seio a luz dos Eclas…
Aquela mão de artista!

Mão de criança! Era ua mão de arminhos,
Tendo essas covas, esses alvos ninhos,
De aves que a terra desconhece ainda!
Lembrando as conchas dos parcéis marinhos,
A polpa branca dos nascentes lírios…
Covas… porque se enterram mil delírios
Naquela mão tão linda!

No teatro, uma noite, casta, esquiva,
Na luva de pelica a mão cativa,
Recordava um eclipse de lua…
Mas um momento após, deixando o guante,
Vi salvar-se da espuma, rutilante,
Como Vênus despida e palpitante,
Aquela mão tão nua!

Era uma régia mão! Que largas vezes
Sonhei torneios, morriões, arneses,
Bravos ginetes de nevada crina,
Justas feridas entre mil reveses,
Da média idade a sanguinosa palma…
Só pra o louro atirar… e a lança e a alma…
Aquela mão tão fina!

Uma noite sonhei que, em minha vida,
Deus acendia a estrela prometida,
Que leva os Reis ao trilho da ventura;
Mus, quando, ao longo da poenta estrada,
O suor me escorria damargura…
Passava em meus cabelos perfumada
Aquela mão tão pura!

Era ua mão que iluminara um cetro…
Mão que ensinava d’harmonia o metro
As esferas de luz que o dia encobres…
Tão santa que uma pérola indiscreta
Talvez toldasse esta nudez tão nobre…
Vazia Era a riqueza do Poeta Aquela mão tão pobre!

Era u’a mão que provocava o roubo!
Era u’a mio para conter o globo!
Tinha a luz que arrebata, a luz que encanta!
Fôra o gênio de Sócrates o Grego!
Domara em Roma os cônsules e o lobo?
Mão que em trevas buscara Homero cego
Aquela mão tão santa!

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