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Essa Negra Fulô, de Jorge de Lima – Análise

O poema “Essa Negra Fulô”, de Jorge de Lima, publicado originalmente em 1928, no contexto do Modernismo Brasileiro, ele retrata os contornos humanos dentro de uma sociedade escravocrata.

“Essa Negra Fulô”, de Jorge de Lima

Ora, se deu que chegou
(isso já faz muito tempo)
no bangüê dum meu avô
uma negra bonitinha,
chamada negra Fulô.

Essa negra Fulô! Essa negra Fulô!

Ó Fulô! Ó Fulô!
(Era a fala da Sinhá)
— Vai forrar a minha cama
pentear os meus cabelos,
vem ajudar a tirar
a minha roupa, Fulô!

Essa negra Fulô
Essa negrinha Fulô!
ficou logo pra mucama
pra vigiar a Sinhá,
pra engomar pro Sinhô!

Essa negra Fulô! Essa negra Fulô!

Ó Fulô! Ó Fulô!
(Era a fala da Sinhá)
vem me ajudar, ó Fulô,
vem abanar o meu corpo
que eu estou suada, Fulô!
vem coçar minha coceira,
vem me catar cafuné,
vem balançar minha rede,
vem me contar uma história,
que eu estou com sono, Fulô!

Essa negra Fulô!

“Era um dia uma princesa
que vivia num castelo
que possuía um vestido
com os peixinhos do mar.
Entrou na perna dum pato
saiu na perna dum pinto
o Rei-Sinhô me mandou
que vos contasse mais cinco”.

Essa negra Fulô! Essa negra Fulô!

Ó Fulô! Ó Fulô!
Vai botar para dormir
esses meninos, Fulô!
“minha mãe me penteou
minha madrasta me enterrou
pelos figos da figueira
que o Sabiá beliscou”.

Essa negra Fulô! Essa negra Fulô!

Ó Fulô! Ó Fulô!
(Era a fala da Sinhá
Chamando a negra Fulô!)
Cadê meu frasco de cheiro
Que teu Sinhô me mandou?
— Ah! Foi você que roubou!
Ah! Foi você que roubou!

O Sinhô foi ver a negra
levar couro do feitor.
A negra tirou a roupa,
O Sinhô disse: Fulô!
(A vista se escureceu
que nem a negra Fulô).

Essa negra Fulô! Essa negra Fulô!

Ó Fulô! Ó Fulô!
Cadê meu lenço de rendas,
Cadê meu cinto, meu broche,
Cadê o meu terço de ouro
que teu Sinhô me mandou?
Ah! foi você que roubou!
Ah! foi você que roubou!

Essa negra Fulô! Essa negra Fulô!

O Sinhô foi açoitar
sozinho a negra Fulô.
A negra tirou a saia
e tirou o cabeção,
de dentro dêle pulou
nuinha a negra Fulô.

Essa negra Fulô! Essa negra Fulô!

Ó Fulô! Ó Fulô!
Cadê, cadê teu Sinhô
que Nosso Senhor me mandou?
Ah! Foi você que roubou,
foi você, negra fulô?

Análise do poema “Essa Negra Fulô”

“Essa Negra Fulô” de Jorge de Lima é um poema que nos convida a refletir sobre a dinâmica de uma sociedade escravocrata, utilizando-se de uma narrativa que intercala a rotina e as injustiças sofridas pela escravizada Fulô com um refrão que parece ecoar as exclamações e ordens de seu Sinhó, mas principalmente de sua Sinhá, cuja voz ressoa ao longo do poema. Fulô é retratada como uma “mucama”, escravizada negra, geralmente jovem, que ajudava nos serviços caseiros.

O poema constrói a imagem de uma escrava que vai além das simples funções domésticas; ela é também a receptora das projeções e das fantasias sexuais de seus senhores, representando um objeto de desejo e de propriedade.

A repetição incessante do nome “Fulô“, quase como um refrão, serve como uma espécie de mantra, estabelecendo a presença constante da escravizada dentro do ambiente familiar de seus senhores. Fulô é chamada para as mais diversas atividades: desde arrumar a cama até contar histórias para adormecer, um retrato da utilização integral da força de trabalho escravo.

Surge, contudo, um detalhe ainda mais macabro na relação escravo-senhor: acusada de roubo diversas vezes, ela então é então castigada, e a sensualidade de Fulô desnuda-se para o Sinhô, provocando nele uma atração. Esta é uma alegoria poderosa sobre a cegueira moral do senhorio diante da beleza e da humanidade daqueles que eles oprimem.

O poema termina com uma nova acusação – “Cadê, cadê teu Sinhô que Nosso Senhor me mandou? Ah! Foi você que roubou, foi você, negra Fulô?”, sugerindo que ela roubou o bem mais precioso de Sinhá: o seu marido.

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Pintura "Pastimes after Dinner", de J. B. Debret
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Alexandre Garcia Peres

Criador do site Literatura Online e Redator, Editor e Analista de SEO com três anos de experiência. Formado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), com foco em literatura e TCC em Paulo Leminski. Fez um ano de especialização em Teoria da Literatura e sua maior área de interesse é a poesia brasileira, principalmente os poetas da segunda e terceira geração do romantismo.

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