Em “Ao Senhor do Bomfim”, de Auta de Souza, vemos uma experiência contemplativa que expressa a fé cristã da poetisa, revelando um pedido pungente de partilha nas dores de Cristo.
“Ao Senhor do Bomfim”, de Auta de Souza
A Joaquina Felismina da Conceição. Sofrer ou morrer! Santa Thereza de Jesus Amado Senhor, Meu doce Jesus, Que morres de amor Suspenso da Cruz! Em triste amargura, Te vendo morrer, Meu lábio murmura: Eu quero sofrer! Sofrer tanto, tanto, (Senhor, sem cessar!). Que os olhos, de pranto, Se arrasem n’um mar. Tu és meu amigo, Meu sol, minha luz! Reparte comigo O peso da Cruz. Bem vês quanto choro, Tem pena de mim! A Ti só adoro Senhor do Bomfim. Serra da Raiz - 10 de Janeiro de 1898
Análise do poema “Ao Senhor do Bomfim”
Em “Ao Senhor do Bomfim”, Auta de Souza expressa uma intensa devoção e uma vontade arrebatadora de compartilhar com Jesus Cristo o sofrimento da crucificação. O poema inicia-se dando voz a uma citação de Santa Thereza de Jesus: “Sofrer ou morrer!”, reafirmando a disposição a abraçar o martírio espiritual como expressão máxima de entrega religiosa.
A profunda conexão da poetisa com a figura de Jesus, a quem ela se refere amorosamente como “Amado Senhor” e “doce Jesus”, estabelece o tom pessoal e íntimo do poema. A crucificação, símbolo máximo do sofrimento e do sacrifício de Cristo, é o ponto central da devoção da autora, motivando-a a aspirar pelo sofrimento como caminho de união com o divino.
Na segunda estrofe, Auta intensifica o desejo pela experiência da dor, transcendendo o lamento e deslocando-o para um campo de anseio quase místico. As lágrimas, que se transformariam em um “mar” pelo volume do choro, são exageradas na sua expressão poética para comunicar um estado de dor incessante.
O diálogo entre a autora e a divindade se torna ainda mais próximo quando ela solicita a Jesus que “reparte comigo / O peso da Cruz”, numa passagem que evoca a ideia do martírio dividido e da solidariedade nas adversidades. Por meio desta metáfora, a poetisa aparece como uma alma que não apenas aceita as provações da vida, mas as deseja ardorosamente como forma de comunhão espiritual.
O final do poema é um apelo emotivo ao “Senhor do Bomfim”, um chamado para que seja observada sua devoção e seu sofrimento. Aqui, podemos ver o ponto central da obra de Souza, onde a melancolia e a devoção fervorosa coexistem.